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O Novo Decreto do Pro-Mac: O que mudou?

O Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais (Pro-Mac) foi criado em 2013 no Município de São Paulo por meio da Lei Municipal n.º 15.948, que permite aos patrocinadores de projetos culturais inscritos no Pro-Mac receber um “desconto” no valor devido a título de IPTU ou ISS.

Desde 2019, o Programa tinha como regulamento o Decreto n.º 59.119, o qual foi revogado e substituído, no último dia 03/02, pelo Decreto n.º 62.159/2023. Apesar de manter a maioria das disposições de seu antecedente, esse novo regramento trouxe algumas inovações bastante relevantes, especialmente quanto à alocação anual dos recursos do Programa. Examinamos abaixo as principais mudanças:

  • Art. 4º, I: Anteriormente, não era possível que o título de um projeto tivesse qualquer menção a patrocinadores. Entretanto, a inclusão da palavra “somente” neste inciso nos leva a acreditar que, a partir de agora, será possível propor projetos cujo título contenha o nome de patrocinadores, desde que acompanhado de outros termos.

Este artigo indica quais projetos não podem receber recursos do Pro-Mac e, neste momento, estão excluídas as “apresentações artísticas produzidas no exterior com artistas ali também residentes” e os “projetos que prescindam de apoio público para sua realização, conforme análise e parecer da Comissão Julgadora de Projetos”. A ausência de menção expressa a essas duas modalidades de ações culturais representa uma dúvida quanto à possibilidade de serem contempladas, ou não, com recursos do Programa. Espera-se que o Edital a ser publicado pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) esclareça o assunto.

  • Art. 7º, § 3º: Antes não era possível que um projeto pudesse ser beneficiado por recursos do Pro-Mac e, concomitantemente, de outras iniciativas da SMC. O novo Decreto prevê, porém, a frase “salvo autorização legal específica”, o que significa que normativas posteriores podem vir a eventualmente permitir isso.

Houve a exclusão do antigo § 2º deste artigo, segundo o qual, caso a inscrição de um projeto fosse reprovada, os proponentes poderiam inscrever novos projetos no Pro-Mac normalmente. A ausência desta regra acaba, assim, gerando incerteza quanto à possibilidade de proponentes cujos projetos foram reprovados poderem, ou não, inscrever outros no mesmo Edital. Espera-se que o Edital de 2023 também clarifique tal questão.

  • Art. 9º: Com relação à competência da Comissão Julgadora de Projetos para avaliar os projetos inscritos, o Decreto de 2023 excluiu a frase “incumbida da avaliação dos projetos culturais apresentados” e incluiu a definição da CJP como um órgão “colegiado”.

Ao nosso ver, a 1ª alteração não tem efeitos práticos, dado que no art. 11, onde constam as competências desse órgão, está evidente a sua atribuição de avaliar projetos. De forma similar, a 2ª mudança também não operaria efeitos relevantes, na medida em que o art. 15, caput, da Lei do Pro-Mac já assinala a condição de órgão colegiado da CJP: “composta majoritariamente por representantes do setor cultural e minoritariamente por técnicos da administração municipal, indicados pelo titular da Pasta”.

  • Art. 13, caput: Para reduzir o orçamento indicado pelo proponente, a CJP deverá dar “decisão fundamentada” – previsão esta antes inexistente.
  • Art. 14, caput: Excluiu-se a frase que indicava que a análise dos projetos seguiria uma ordem cronológica de inscrição. Contudo, o Decreto de 2023 não definiu uma nova ordem de análise, limitando-se a dizer que devem ser seguidas as regras estabelecidas posteriormente em Edital.
  • Art. 16: A solicitação de prorrogação do período de execução do projeto deverá ser dirigida à CJP. Apesar de o Edital Pro-Mac 2021 já conceder tal competência à Comissão, o Decreto de 2019 indicava que a autorização deveria ser concedida pelo Núcleo de Incentivo à Cultura da Coordenação de Fomento e Formação Cultural.

Não há mais a limitação de o projeto apenas poder ser alterado após o início da execução. A partir de agora, o proponente pode solicitar alterações no projeto antes de iniciar a execução, desde que (i) isso seja feito uma única vez, (ii) o orçamento não seja reduzido em mais de 50% e (iii) o objeto do projeto não seja descaracterizado (essa regra não é aplicável caso a redução no orçamento dê-se em razão de obtenção de recursos de outras fontes). Já durante o período de execução, eventuais alterações serão analisadas pela CJP em caráter excepcional e devem ser justificadas. Vale observar que não é admitido aumento do orçamento aprovado.

  • Art. 20: Regra nova que confere maior gerência à SMC sobre aos produtos resultantes dos projetos culturais: “A Secretaria Municipal de Cultura poderá solicitar, ao proponente, a distribuição ou inclusão de materiais de comunicação e/ou a realização de ações de relacionamento institucional no projeto, com finalidade informativa, educativa ou de orientação social”.
  • Art. 27, § 1º: Para os projetos que forem aprovados após o fim dos recursos disponíveis ou após o fechamento do sistema financeiro da Prefeitura, o prazo de captação de recursos começará a contar no ano seguinte à aprovação. Assim, o projeto terá aquele ano, somado a um exercício fiscal, para captar recursos.

A inclusão desse parágrafo visa a corrigir uma adversidade sofrida pelos proponentes: sob a vigência do Decreto de 2019, os projetos que fossem aprovados nas circunstâncias descritas acima ficavam “desfalcados” em relação aos demais projetos, uma vez que estavam submetidos ao mesmo prazo de captação – isto é, o período restante do exercício fiscal em que fora aprovado, acrescido de mais um.

  • Art. 29: Excluiu-se o trecho “Caso o proponente tenha captado recursos por meio do Pro-Mac, mas não consiga obter outras fontes de recurso, e, portanto, não venha a realizar o projeto, estará sujeito às sanções e penalidades previstas neste decreto”. Há, portanto, incerteza sobre a aplicabilidade de penalidades e sanções a projetos que se enquadrem nessa hipótese, sendo necessário aguardar publicação do Edital para verificar como o tema será eventualmente tratado.
  • Art. 30: Aqui está, ao nosso ver, a maior inovação trazida pelo novo Decreto. Daqui para frente, os recursos serão anualmente liberados pela Prefeitura de acordo com 3 categorias:
  1. 35% será destinado a projetos cujos proponentes residam ou estejam sediados em regiões periféricas da cidade;
  2. 35% será destinado a projetos cujas atividades sejam realizadas em sua totalidade em regiões periféricas da cidade (independente do endereço do proponente); e
  3. 30% residuais será destinado para demais projetos.

Na nossa análise, essa composição de destinação de recursos do Pro-Mac contribui para a descentralização da cultura no município de São Paulo, acarretando uma grande mudança nos tipos de projetos que receberão recursos do Pro-Mac. Isto porque facilita que projetos propostos por pessoas residentes ou sediadas em regiões periféricas, bem como projetos cuja totalidade das atividades ocorram em tais regiões, sejam aprovados e recebam recursos. Enquanto isso, projetos que não se enquadrem nessas categorias concorrerão por um montante de verba mais reduzido. 

Todavia, a legislação estabelece a possibilidade de realocação de recursos (“se não houver interessados para uso da totalidade dos recursos destinados de acordo com as faixas de distribuição previstas nos incisos do caput deste artigo, o saldo remanescente será realocado para as faixas de distribuição dos demais incisos em ordem de prioridade que se inicia no inciso I e termina no inciso III”), sendo que a data de remanejamento constará no Edital ou em ato normativo a ser editado posteriormente.

  • Art. 31: Este dispositivo substituiu os arts. 48, 49, 50, 51, 52 e 53 do antigo Decreto, que estabeleciam que o percentual de renúncia (ou “selo de renúncia”) de um projeto – isto é, qual porção do valor aportado pelo patrocinador ao projeto poderia ser utilizado de “desconto” sobre os valores devidos de IPTU e ISS –, seria definido “de acordo com o local de oferecimento da maior parte das suas atividades ao público”. Com isso, bastava ao projeto oferecer ao menos 51% de suas atividades em determinada região para receber o selo de renúncia correspondente.

Nesse sentido, sob a vigência do Decreto de 2019, o município de São Paulo havia sido dividido, com base no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – Dimensão Educação, em 3 faixas:

  1. Projetos cujas atividades ocorressem, majoritariamente, em distritos com 50 a 100% da população pertencente às faixas baixas e médias do referido indicador social confeririam aos patrocinadores 100% de renúncia (ou seja, a totalidade do valor aportado no projeto poderia ser abatido do imposto devido);
  2. Projetos realizados em distritos com 10 a 49% da população pertencente às referidas faixas garantiriam 85% de renúncia (isto é, 85% do valor destinado ao projeto se reverteria em “desconto” para o patrocinador); e
  3. Projetos que acontecessem em distritos com 0 a 9% de pessoas localizadas nas faixas baixa e média concederiam 70% de renúncia fiscal.

Ocorre que, com a edição do novo Decreto, essa divisão do município em 3 faixas caiu por terra, apesar de o critério para definição da divisão territorial ter permanecido o mesmo. Assim, a partir de 2023, o fundamento para definir a alocação de recursos do Pro-Mac – conforme dita o supracitado art. 30 – será a “região periférica”, expressão que denomina os distritos que apresentam de 10% a 100% de sua população pertencente às faixas baixa e média do IDH-M – Dimensão Educação. No Edital a ser publicado pela SMC constará um mapa com a indicação dessa divisão territorial do município.

Além disso, nota-se que o Decreto de 2023 não menciona a questão dos selos / percentuais de renúncia, como fazia seu antecessor. Assim, ainda não se tem informações claras sobre se o patrocinador continuará a fazer jus ao abatimento, no imposto, daqueles 70%, 85% ou 100% sobre o valor aportado no projeto. Considerando que o último Edital esmiuçava esse tema, espera-se que o próximo também trate do assunto, seja para determinar novos percentuais de renúncia fiscal ou para alterar a regra.

  • Arts. 32, 33, III, e 35: Antes, a reserva de recursos para execução do projeto só poderia ser solicitada quando o proponente tivesse 50% de seu orçamento formalizado em contratos de patrocínio. Agora esse percentual voltou a ser de 35%, tal como ocorria na época do Decreto de 2017. Caiu para 35% também o montante requerido em conta bancária para poder se movimentar os recursos captados.
  • Art. 39: O saldo eventualmente constante na conta bancária do projeto em razão de não utilização, finalização ou cancelamento do projeto deverá ser enviado ao Fundo Especial de Promoção das Atividades Culturais (FEPAC) – assim como rendimentos obtidos por aplicações no mercado financeiro que não foram autorizadas previamente pela SMC. Embora essa regra não constasse no Decreto de 2019, já existia no Edital 2021.

Caso se queira transferir o saldo remanescente para conta corrente de outro projeto já aprovado pelo Pro-Mac, será necessário (i) enviar solicitação escrita, (ii) ter prévia autorização do patrocinador, e (iii) pedir autorização da CJP e do Secretário de Cultura.

  • Art. 47, caput: Antes, para que o patrocinador pudesse usar o Certificado de Incentivo para pagar seu IPTU, deveria apresentar (i) notificação de lançamento de IPTU e (ii) contrato de locação, se aplicável. A partir de agora, o envio desses documentos é desnecessário, pois o Poder Público apenas analisará o Cadastro Imobiliário Fiscal perante a Secretaria da Fazenda. Por isso, é importante que os patrocinadores sempre mantenham esse cadastro atualizado.
  • Art. 57: Como regra de transição, aos projetos aprovados antes de 03/02/2023 não se aplica o art. 30, de modo que a captação de recursos pode continuar normalmente. Por sua vez, eventual saldo restante da dotação orçamentária do Pro-Mac estará sujeito às novas regras sobre alocação de recursos. 

Conclusão

O novo Decreto entrou em vigor em 03/02 e, com ele, vieram algumas mudanças significativas na forma de funcionamento do Pro-Mac. Além das alterações em procedimentos, houve uma reestruturação dos artigos relativos à renúncia de receita realizada pelo Município, com a adição de dispositivos sobre a forma como deve se dar a alocação de recursos do Programa. Com isso, há estímulo à descentralização da cultura no município de São Paulo, tanto no perfil dos proponentes quanto no local em que os projetos são realizados, de modo a privilegiar regiões periféricas da cidade.

Ainda, o Decreto em questão excluiu os artigos relacionados ao selo de renúncia fiscal, o que, apesar de inicialmente causar insegurança nos proponentes e patrocinadores, é uma escolha do Poder Público quanto à forma de organizar a política pública. Ao deixar tal assunto para ser tratado em Edital ou em atos normativos do (a) Secretário (a) da pasta, o novo texto garante à SMC maior facilidade em corrigir e atuar ativamente nos rumos do Programa: por exemplo, diminuindo ou aumentando o percentual de renúncia concedido de acordo com a experiência prática de implementação do Pro-Mac.

Por fim, ressalta-se que a própria forma de organização do Pro-Mac demanda a publicação de um Edital, para que seja possível complementar procedimentos e orientações que não têm espaço na Lei ou no Decreto regulamentador. O fato de o Decreto ter deixado algumas questões ainda incertas, como explicamos neste artigo, reforça a importância da publicação do Edital, logo que possível, pela SMC, ato normativo que – espera-se – esclarecerá as dúvidas aqui mapeadas.

Foto de Hans Eiskonen na Unsplash.

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