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Novas regras no mecenato da Lei Rouanet: o que muda com o novo Decreto

Em coautoria com “Renata Saori”

O tão esperado novo Decreto da Lei Federal de Incentivo à Cultura [1] acabou de ser publicado hoje, dia 24/03, e, com ele, há o reestabelecimento de regras e procedimentos sobre o fomento indireto (mecanismo de mecenato) com os quais o setor artístico e cultural estava habituado até 2021, bem como diversas novidades no que diz respeito ao fomento direto.

Uma Instrução Normativa atualizada deve sair dentro dos próximos 30 dias, como o próprio Decreto determina (art. 80).

De forma simplificada, podemos dividir o Decreto em 2 partes: (i) os arts. 6º a 46 trazem normas sobre o uso de recursos oriundos do fomento direto, mecanismo que permite que agentes da sociedade civil recebam valores diretamente da União por meio de chamamentos públicos, fomento à execução de ações culturais, apoio a espaços culturais, bolsas e premiações; (ii) enquanto nos arts. 47 a 76 é onde se encontra o regramento sobre o mecenato, o mecanismo da Lei Rouanet que permite que, por intermédio de incentivo fiscal, a União conceda tanto a pessoas físicas quanto jurídicas a possibilidade de aplicarem parcelas do Imposto sobre a Renda – IR, sob a forma de doações ou patrocínios, em projetos culturais previamente aprovados pelo Ministério da Cultura. [2]

Neste artigo, nós tratamos somente das mudanças trazidas nesta última parte, sobre o mecenato. Esperamos publicar em breve uma avaliação das novidades sobre fomento direto.

Mecenato: como funciona a partir de agora?

O que voltou ao “normal”:

  • O montante de produtos que os patrocinadores podem receber como cortesia voltou a ser de até 10%. No Decreto de 2021, se o projeto tivesse somente um ou dois patrocinadores, cada um deles poderia receber apenas até 5% dos produtos.
  • A Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) recuperou competências que haviam sido excluídas pelo Decreto de 2021.
  • A aprovação do regimento interno da CNIC será atribuição de seus próprios membros, bem como se excluiu as regras do Decreto de 2021 sobre periodicidade e quórum das reuniões.
  • Foram restaurados os segmentos referentes à indicação dos membros da CNIC, instância que deve incluir representantes das artes cênicas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural.
  • O manual de identidade visual do MinC será elaborado em consonância com as recomendações da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (regra que havia caído no Decreto de 2021).
  • Os Planos Anuais e Plurianuais voltam a poder ser propostos por todas as pessoas jurídicas de natureza cultural sem fins lucrativos. Ficou mais claro com o novo Decreto que os Planos servem à manutenção de: (i) instituições culturais, inclusas “suas atividades de caráter permanente e continuado e demais ações constantes do seu planejamento”; (ii) espaços culturais, incluindo “sua programação de atividades, ações de comunicação, aquisição de móveis, aquisição de equipamentos e soluções tecnológicas, serviços de reforma ou construção e serviços para garantia de acessibilidade, entre outras necessidades de funcionamento”; (iii) de corpos artísticos estáveis ou outros grupos culturais com execução contínua de atividades; (iv) realização de eventos periódicos e continuados, como festivais, mostras, seminários, bienais, feiras e outros tipos de ação cultural realizada em edições recorrentes; e, ainda, (v) poderá se aplicado para projetos apresentados por instituições que desenvolvam ações consideradas relevantes para o desenvolvimento dos segmentos culturais, por recomendação da CNIC e posterior homologação pelo MinC.

O que é novidade:

  • Definiu-se que os “processos públicos de seleção de projetos“, a serem realizados por empresas patrocinadoras, devem seguir as regras publicadas pelo MinC (nos Decretos de 2006 e 2021, bastava que a promoção dos processos fosse informada ao MinC).
  • Inclusão de medidas para ampliar investimento nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e em projetos de impacto social relevante. Para tanto, os parâmetros serão definidos pelo MinC, que deverá considerar:

(a) Perfil do público, recortes de vulnerabilidade social e especificidades territoriais;

(b) Objeto da ação voltado a grupos historicamente vulnerabilizados socialmente; e

(c) Preferência a agentes culturais e equipes compostas de forma representativa por mulheres, pessoas negras, povos indígenas, comunidades tradicionais, inclusive de terreiro e quilombolas, de populações nômades e povos ciganos, pessoas do segmento LGBTQIA+, pessoas com deficiência e de outros grupos minorizados.

  • Definição de metodologia de prestação de contas a partir de matriz de risco adotada pelo MinC, conforme os seguintes procedimentos (que ainda serão melhor detalhados no futuro):

(a) Projetos com valor de pequeno porte: definição da categoria de prestação de informações deve observar as condições dos arts. 29 a 34, que tratam sobre o “Termo de Execução Cultural” – um instrumento novo trazido por esse Decreto;

(b) Projetos com valor de médio porte: os relatórios de execução do objeto e de execução financeira serão exigidos em todos os casos, vedada a adoção de prestação de informações in loco; e

(c) Projetos com valor de grande porte: os relatórios de execução do objeto e de execução financeira serão igualmente exigidos em todos os casos, e haverá plano de monitoramento específico.

  • Sempre foi vedada a destinação de novo subsídio para a mesma atividade ou produto cultural em projeto anteriormente subsidiado. O que o novo Decreto faz é esclarecer que não é considerada mesma atividade ou produto as “ações de natureza continuada” ou “novas edições de atividades ou produtos”.
  • O MinC poderá estabelecer exceções para regras de aprovação, execução, avaliação e prestação de contas dos Planos Anuais ou Plurianuais.
  • Foi vedado o uso de rubrica de captação de recursos para pagamento de serviços de consultoria, assessoria técnica ou avaliação de projetos prestados diretamente aos patrocinadores (e não ao próprio proponente).
  • Contratações feitas durante o período de execução devem seguir o previsto no art. 26 do Decreto, que indica quais tipos de gastos podem ser feitos com os recursos do “Termo de Execução Cultural”, conforme já mencionado acima.
  • Com relação às condições de acessibilidade, houve a inserção de que devem ser proporcionadas “quando tecnicamente possível”, não havendo mais a obrigatoriedade de inserção apesar de as condições técnicas não serem favoráveis.
  • O MinC estabelecerá limites de valores de comercialização e percentuais de gratuidade dos produtos e serviços resultantes dos projetos.
  • Esclareceu-se que não constitui vantagem indevida a aplicação da marca do patrocinador em material de divulgação.
  • O prazo máximo de captação passou a ser o término do exercício fiscal subsequente ao que o projeto foi aprovado (nos Decretos de 2006 e 2021, esse prazo era restrito ao término do exercício fiscal no qual o projeto tivesse sido aprovado).
  • Caso não haja captação ou apenas captação parcial de recursos, o prazo será prorrogado automaticamente por mais 24 meses, exceto se o proponente solicitar o arquivamento.
  • O controle do fluxo financeiro deixou de ser por meio do cruzamento de informações prestadas pelos patrocinadores e proponentes ao MinC. Agora, tal controle ocorrerá através da “captura automática de dados dos depósitos realizados pelo sistema eletrônico utilizado no âmbito do mecanismo de incentivo fiscal”.
  • Incluiu-se a necessidade de, caso o Presidente da CNIC delibere ad referendum (isto é, sozinho, sem a opinião do colegiado), este deverá apresentar ao colegiado justificativa de sua decisão.
  • Apesar de o Decreto de 2021 já prever a possibilidade de o Presidente da CNIC convidar especialistas e membros de outros órgãos e entidades para participar das reuniões (sem direito a voto), o Decreto de 2023 especificou que os especialistas devem ter conhecimento “nas linguagens artísticas”;
  • Entre os membros da CNIC representantes da sociedade civil, deve haver no mínimo 1 representante da arte e cultura dos povos originários e tradicionais, 1 representante da cultura popular, 1 representante de instituição que atue com acessibilidades artísticas, e 2 representantes e residentes de cada uma das cinco regiões do Brasil.
  • O regulamento interno da CNIC, elaborado por seus membros, deve ser homologado pela Ministra da Cultura.
  • Destinação ao MinC de apenas 2 cópias do produto ou do registro das ações. Anteriormente, eram 6 cópias.
  • Para fins de cumprimento da obrigação de inserção da marca, serão consideradas as regras e marcas vigentes à época de execução do projeto.

O que “caiu”:

  • Concentração de poderes na figura do Ministro/Secretário, principalmente com relação a definição do montante dos recursos destinados e ao acompanhamento e avaliação dos projetos aprovados.
  • Necessidade de se ter “natureza exclusivamente cultural” para ser proponente.
  • Restrição dos Planos Anuais somente a museus públicos, projetos de patrimônio material e imaterial ou de ações formativas de cultura, ou aqueles que fossem considerados relevantes para a cultura nacional de acordo com a antiga Secretaria Especial.
  • Limitação de 15% do orçamento total do projeto para fins de despesas administrativas. Essa regra existia desde o Decreto de 2006 e é uma grande novidade a sua exclusão.
  • Limitação a distribuição gratuita de obras ou de ingressos apenas a beneficiários previamente identificados que atendam às condições estabelecidas pelo MinC. Regra que também constava no Decreto de 2006.
  • Necessidade de autorização para os projetos de produtoras independentes voltadas para produção cinematográfica, videográfica, fotográfica, discográfica e congêneres.
  • Possibilidade de instituições culturais sem fins lucrativos, criadas pelo doador ou patrocinador, se beneficiarem de incentivos fiscais. Tal regra existia desde 2006.
  • Impedimento de promover captação de recursos enquanto o órgão não se manifestasse sobre a solicitação de prorrogação do prazo de captação. Tal regra existia desde 2006.
  • Necessidade de que a instituição financeira na qual as contas bancárias de projeto serão criadas seja “oficial e de abrangência nacional”. Tal regra existia desde 2006.
  • Proibição de símbolos ideológicos ou partidários em materiais de divulgação.
  • Necessidade de aprovação para “inauguração, lançamento, divulgação, promoção e distribuição de materiais ou peças e campanhas promocionais por parte dos Estados, Distrito Federal e Municípios”.
  • Aplicação de penalidades no caso de duplicidade de captação de recursos ou de omissão de informação relativa ao recebimento de apoio financeiro de quaisquer outras fontes.

Regras de transição

  • Projetos com execução e/ou captação já iniciada poderão solicitar readequação às normas do novo Decreto;
  • Projetos sem captação poderão (i) solicitar o arquivamento e, em seguida, apresentar nova proposta com adequação às novas normas, ou (ii) solicitar readequação antes de iniciar sua captação.
  • Houve a inclusão de regra sobre prescrição, que será conhecida de ofício pelo MinC.
  • É preciso aguardar a publicação da nova IN, que irá definir os procedimentos sobre:
    • Regras de transição para os projetos em execução, de forma a garantir sua adequação às novas normas;
    • Possibilidade de transferência de recursos captados em projetos por instituições sem fins lucrativos que optem em utilizar Plano Anual ou Plurianual;
    • Possibilidade de prorrogação de prazos de captação e execução de projetos em execução cuja análise de pendências administrativas esteja atrasada;
    • Análise, em regime de urgência, de Planos Anuais ou Plurianuais de instituições culturais que tenham apresentado suas propostas em 2022 e ainda não obtiveram aprovação para o exercício de 2023; e
    • Possibilidade de apresentação ou desarquivamento de propostas de Planos Anuais ou Plurianuais por instituições culturais, para início imediato no exercício de 2023.
  • Será definido novo processo de escolha e posse dos membros da CNIC para o biênio 2023-2024.

[1] Decreto Federal nº 11.453/2023.

[2] Os arts. 1º a 5º estabelecem disposições gerais; os arts. 43 a 46 tratam dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico – FICART, mecanismo previsto na Lei Rouanet, mas ainda não colocado em prática; e os arts. 77 a 83 apresentam as regras finais e de transição, explicadas ao final deste artigo.

Foto de Stijn te Strake na Unsplash

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