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“Ses” e “porquês” de Alvará de Menores para o Youtube

 

Se você filmou seu filho, sobrinho, neto ou qualquer outra criança e dentro de uma situação familiar ou caseira e está lendo este texto preocupado com possíveis problemas jurídicos de colocar o vídeo no Youtube ou em qualquer outro site de Streaming, fique tranquilo, este texto não é para você. E você não precisa de um Alvará para filmagem. Nesse caso, eu indico que você escolha uma das trilhas disponibilizadas pelo site, coloque umas transições de imagens bem bonitas e passe o link para todo mundo da família e amigos.

Agora, se você tem um canal profissional, ou trabalha com produção de vídeos e pretende, pensa ou já filmou menores, você está no lugar certo.

Os canais de Streaming em especial aqueles de conteúdo produzido pelo usuário, tipicamente Youtube, Instagram, Vímeo, Facebook, Snapchat e outros são sabidamente meios de divulgação de produções audiovisuais que podem atingir milhões de pessoas. Por isso, quando pensamos em questões jurídicas envolvendo esse tipo de produção, todo o cuidado é pouco. Tratamos desse tema em diversos textos que vão desde gameplays até alguns toques para os youtubers de plantão (você pode acessar os nossos textos sobre o tema clicando aqui).

Talvez esse tema seja, se não o mais sério, pelo menos o de maior responsabilidade daqueles que uma produtora ou dona de canal precisa lidar no dia a dia. Falamos do famoso e temido Alvará Judicial para Filmagem com Menores de Idade e, especialmente, o porquê, mesmo nos seus vídeos hospedados em Streaming, esse tipo de autorização é necessária fundamental.

Vamos lá…

Primeiro é importante perceber que o parágrafo inicial não foi à toa, ele serviu justamente para mostrar que a necessidade de Alvará para Menores está ligada à uma atividade artística minimamente organizada como a filmagem, gravação de voz, desempenho ou qualquer outra fixação/disponibilização de um conteúdo que envolva a imagem da criança ou adolescente. Em outras palavras, toda a vez que um menor de 18 (dezoito) anos for filmado, gravado, participar de uma peça de teatro, clipe, tocar um instrumento musical e etc. em um evento ou espaço destinado à produção de conteúdo artístico e/ou comercial, ele vai precisar de uma autorização judicial ou de uma autorização dos pais.

Depender de autorização de Juiz ou “só” da autorização dos pais tem a ver com a forma como o Poder Judiciário do local onde está sendo realizada a atividade (locação, local do evento, estúdio de gravação e etc.) regulou o modo da autorização. Essa autorização tem como base o Estatuto da Criança e do Adolescente que, em um dos seus artigos, diz o seguinte (vou traduzir para o português para facilitar):

“O Poder Judiciário ou o Juiz tem a competência para decidir, caso a caso através de um Alvará ou através de uma regra geral por Portaria, a entrada e a permanência de crianças e adolescentes em estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão e a participação da criança e do adolescente em espetáculos públicos e seus ensaios e concursos de beleza. Para decidir sobre isso o Poder Judiciário ou o Juiz deverá considerar: a) os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente; b) as peculiaridades locais; c) a existência de instalações adequadas; d) o tipo de frequência habitual ao local; e) a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes; f) a natureza do espetáculo.” (Você pode conferir na língua original o artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente nesse link aqui)

Há Estados no Brasil que exigem “apenas” uma carta de autorização dos pais (por exemplo, o Rio Grande do Sul) com a ciência de que a criança vai participar de uma atuação artística-comercial ou entrar em um evento. Essa autorização vem junto com um compromisso de que o responsável vai acompanhar e se responsabilizar pelo cuidado (junto com a empresa organizadora do evento/filmagem/espetáculo) pela segurança da criança. Essa exigência, sem o tal do Alvará, vem do fato de que, nesses Estados, o Poder Judiciário editou uma Portaria que trata das regras gerais para a autorização.

Por outro lado, há Estados que não dispensam uma autorização específica dada por um Juiz através de um processo de Alvará de Menores (por exemplo, São Paulo). Nesses casos, vai ser preciso que a produtora ou o responsável pelo evento/obra entre com uma Ação Judicial pedindo que o Juiz autorize que a criança ou o grupo de crianças possa participar da atividade artística.

Princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente

 

Dai você me pergunta: “Poxa, mas o texto acima que você ‘traduziu’ não fala nada de Canal do Youtube ou de outras filmagens feitas na rua ou em espaços abertos. Não vou precisar de Alvará ou autorização nesses casos?”

Então… Sim, você vai. E a razão vem do fato de que o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma Lei que regula todo um sistema de proteção ligado à integridade física e psicológica da criança e do adolescente, em uma estrutura que chamamos de responsabilidade e proteção integral. Assim, todas as previsões da Lei devem ser interpretadas de maneira extensiva à toda e qualquer hipótese em que seja aplicável de modo a proteger integralmente a criança e o adolescente.

A Lei, desse modo, pretende garantir o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Tudo com o objetivo de que a criança e ao adolescente tenham acesso, sem qualquer tipo de discriminação, aos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Confesso que nessa parte eu copiei exatamente o que a Lei diz.

Não é à toa que, quando a Lei trata dos pontos que o Juiz deve ter em conta para conceder o Alvará ela vai tão profundamente tratando de coisas como “peculiaridades locais” e “natureza do espetáculo”. O importante é sempre dar todos os elementos para que o Juiz decida, fornecendo roteiros, informações, figurino, local, isso só para pensar em alguns dos documentos que normalmente pedimos.

Em resumo, não é porque o trecho acima não se refira de modo expresso a canais de Youtube ou outras atividades artísticas de qualquer natureza, existentes ou ainda por se inventar, que os mecanismos de proteção da Lei não se aplicam. Eles, como eu disse, são para proteção integral e não se limitam a interpretação, apenas se expandem através dela. Descumprir essas regras não só pode resultar na possibilidade de retirada de conteúdo ou cancelamento do evento, como a aplicação de penalidades de natureza criminal contra os responsáveis (pais e produtora).

Quem já trabalhou comigo sabe que, em casos de trabalhos artísticos com menores, eu tenho o princípio de que “criança e adolescente não entram em set de filmagem, em palco de show ou peça de teatro nem têm uma câmera ou gravador ligado em sua frente sem uma autorização judicial”. Ainda nos casos que não é necessário o Alvará, no mínimo, se precisa de uma definição jurídica sobre se estar protegendo integralmente, na linha do que define o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Assim, o Alvará será necessário em qualquer atividade que possa ser definida como minimamente artística ou profissional para colocar no seu canal, no canal de empresas ou qualquer outro com o potencial de apresentar a imagem ou o desempenho artístico de uma criança ou de um adolescente (e aqui vamos da personagem principal até uma pequena figuração ao fundo da cena). Acrescento mais, que, mesmo nos Estados em que o Alvará é dispensado, ter minimamente as regras da Portaria expedida pelo Poder Judiciário e uma redação clara dos documentos de autorização são fundamentais para se proteger integralmente a criança e o adolescente.

 Por fim, é importante dizer que o Juiz, ao analisar o alvará, vai olhar as condições de participação do menor, o contrato assinado com esse (conferir outro artigo nosso aqui), a estrutura de segurança, o grau de exposição a conteúdos impróprios e por aí vai. Uma boa assessoria jurídica vai ajudar a produtora a organizar essa documentação de modo a tornar o pedido condizente com a realidade e claro para que os órgãos públicos possam avaliar a questão.

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