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Entrevista com Rodrigo Machado, CEO do Catarse

Entrevista realizada com a colaboração de Nichollas Alem e Luiza Rehder.

 

No final de dezembro, o IDEA conversou com Rodrigo Machado, um dos fundadores do Catarse, a maior plataforma de crowdfunding do Brasil, que opera desde 2011.

Em 2016, o Catarse arrecadou R$ 16,2 milhões para 5631 projetos, nas modalidades Tudo ou Nada e Flex, a partir das doações de 134.827 pessoas. A arrecadação representa um salto de 41% em relação a 2015.

Conversamos sobre as dificuldades para a criação da plataforma no Brasil, sobre as dúvidas de realizadores e apoiadores, sobre cases de sucesso na história do site, sobre os desafios para a regulação do crowdfunding no Brasil e sobre as perspectivas do crowdfunding para 2017.

Confira a entrevista na íntegra abaixo.

 

IDEA: Quais foram os principais problemas ou desafios jurídicos enfrentados durante a fundação da plataforma no Brasil?

Rodrigo Machado: Primeiro de tudo, qual seria caracterização jurídica, onde a gente se enquadraria, se seríamos lucro real, lucro presumido, simples, qual a alíquota, até qual seria a caracterização da atividade do negócio. Depois de algumas pesquisas e consultorias específicas, chegamos à conclusão que atuamos como um marketplace, como um e-commerce, e que a melhor caracterização seria de intermediação de negócios: recebemos aportes de valores, fazemos essa custódia financeira e a liberamos, sob determinadas condições, de acordo com o modelo que seguimos. No caso, hoje há dois modelos; antes era o tudo ou nada, então só liberávamos o dinheiro se batia determinado gatilho. Isso já é uma derivação do modelo mais popularizado do crowdfunding pelo Kickstarter, em que a cobrança só ocorre no momento do gatilho, ou seja, não existe cobrança no cartão de crédito antes de o projeto bater a meta, mas isso no Brasil era muito difícil, principalmente para uma Startup. Até hoje é muito difícil ter um prazo estendido, em que você fica em custódia dos números dos cartões de crédito, depois que você dispara essa cobrança. Em suma, o principal desafio no início foi entender como a gente deveria ser enquadrado juridicamente e a gente ficou com intermediação de negócios e lucro presumido. Sabemos que existem outras plataformas que atuam sob diferentes composições jurídicas, mas achamos que isso poderia ser um pouco arriscado, porque o mercado era muito embrionário, e ter uma composição jurídica que eventualmente pudesse gerar algum tipo de vulnerabilidade não era o ideal. Vários advogados e contadores nos recomendaram essa forma de cobertura. Inclusive, o crowdfunding no mundo dos negócios é tido como um two-sided marketplace, isto é, fazemos a combinação entre uma ponta e outra (os realizadores e os apoiadores no universo do Cartarse). O outro desafio que apareceu logo em seguida foi como o realizador declara o recebimento e como os usuários declaram esse apoio. O governo australiano, por exemplo, tem uma página dedicada a explicar às pessoas como declararem isso e essa velocidade de acompanhamento dos organismos públicos falta no Brasil.

 

IDEA: Você percebe alguma evolução nas políticas públicas de regulação do crowdfunding no Brasil?

Rodrigo Machado: O principal problema é a falta de entendimento generalizado, não somente sobre esse tipo de dinâmica de crowdfunding, mas sobre qualquer dinâmica que seja um pouco mais disruptiva em termos de modelo de negócios. Não é à toa que vemos aí uma briga pública sobre o modelo do UBER. No caso do crowdfunding, o principal problema é a falta de uma predisposição e dos mecanismos necessários dos órgãos públicos de se manterem atualizados. Existe esta máxima de que a lei vem muito depois da inovação, e isso é um processo até relativamente natural, porque o processo de legislação está sujeito a uma série de instâncias, tem de ser feito de uma maneira cuidadosa, mas, ao mesmo tempo, acredito que o framework já está defasado. É necessário que comecemos a tentar diminuir essa distância. Em termos de regulação, o principal problema está mais na modalidade do equity crowdfunding, que é uma modalidade de investimento em empresas embrionárias, empresas para as quais você vende para ter participação societária. No caso da doação, o problema não está necessariamente na regulação, mas na impossibilidade dos órgãos públicos pensarem dinâmicas diferentes, em como poderíamos ter uma autorização mais fácil para fazer isenção fiscal. No começo do crowdfunding, houve várias tentativas de lançarem plataformas que ofereceriam isenção fiscal: você teria um projeto aprovado para entrar no mesmo esquema das plataformas de crowdfunding, mas depois seria oferecida a isenção fiscal e um recibo. Mas a tentativa de aproximar uma coisa mais ágil que envolveria mudar leis de incentivo fiscal não aconteceu e a maioria dessas plataformas não foi bem sucedida e acabou fechando. O desafio da regulação está mais em entender como o crowdfunding pode ser potencializado pelos organismos públicos para, eventualmente, ele poder ser usado como mecanismo de mais autonomia pelo público sobre como ele quer gastar seu dinheiro. Isso seria uma ótima maneira de combinar as coisas. Há um case na Suécia, se não me engano, onde o direcionamento de parte do orçamento participativo das cidades é escolhido pela população por meio de uma plataforma de crowdfunding. Desafios de regulação são mais relativos ao equity e ao debt crowdfunding, que é o de empréstimos P2P. Houve até o caso de uma plataforma que fechou, bem no início, o Fair Place. Logo no começo, eles foram fechados porque não estavam regulados e precisavam ter um registro de instituição bancária. Em suma, na modalidade doação, o principal desafio de regulação é como declarar, como os usuários e os apoiadores podem declarar de uma maneira mais clara. Esse exemplo da Austrália mostra um bom case de como o poder público esclareceu essa questão. Não é nem tanto regulação, mas um esclarecimento sobre fluxos.

 

IDEA: A CVM está com consulta aberta sobre regulação do crowdfunding no Brasil. O Catarse está atuando nisso? Como é a articulação de relações governamentais do Catarse?

Rodrigo Machado: Nesse caso, nós nos colocamos bastante à parte. Existe até um Projeto de Lei  do deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) que colocava o crowdfunding equity e o crowdfunding de doação na mesma seara [O PL 6590/2013 foi arquivado pela Mesa da Câmara em 2015]. O projeto de lei dizia que todo realizador deveria apresentar um plano de negócios sobre seu projeto para estar subordinado à CVM. Se você faz isso numa plataforma baseada em doações, você está matando a plataforma inteira por matar os realizadores. É um problema burocratizar a estrutura dos projetos a esse ponto, de colocar a necessidade de um plano de negócios e subordinação a um órgão que não sei se é o mais apropriado para regular e fiscalizar a relação de doação. A própria CVM respondeu que o problema não era deles. Acredito, então, que essa consulta está mais voltada para o equity, que, no meu entendimento, tem de ser subordinado à CVM. Mas, como o Catarse não tem pretensões de entrar na seara do equity crowdfunding, nós não estamos juntos nesse esforço.

 

IDEA: Vocês recebem dúvidas dos idealizadores de projetos da plataforma?

Rodrigo Machado: De uma maneira geral, as dúvidas dos realizadores vão desde as mais básicas, sobre como fazer uma campanha, até dúvidas mais complexas, como quais técnicas e estratégias usar para sair de 20% do projeto para 40% de meta alcançada. Para isso, nós geramos muito conteúdo, sempre tentando mapear cases, porque a inteligência da multidão é a mais eficiente, então a cada momento surge uma nova estratégia. Apesar disso, sambemos que existem algumas coisas básicas: a maior parte da captação ocorre na primeira e na última semana — na primeira porque existe a estratégia de lançar rápido; na última por causa de um senso de urgência, principalmente se o modelo adotado for o tudo ou nada, que você só fica com o dinheiro se alcançar a meta, diferente do modelo flexível, em que você fica com o que você arrecadar. Então, as dúvidas de realizadores dizem respeito sempre a como fazer a ativação da campanha deles. Existe uma gama enorme de maneiras de fazer isso, mas a principal delas, que é muito relevante, é que você tem de lançar o projeto de maneira muito intensa, porque grande parte da captação está na primeira semana. Se você arrecadar 10% do projeto no primeiro dia, a chance de sucesso sobe para 93%. O mistério está sempre no lançamento e nós nos concentramos em como fazer as pessoas entenderem isso. E, para ter um bom lançamento, é preciso um bom pré-planejamento da campanha. Nós conseguimos separar os realizadores entre quem entende esse conceito — que você tem que planejar, que vai dar trabalho e que é uma atividade que vai gerar ansiedade — e quem simplesmente acha que é botar uma página e esperar o milagre da internet vai acontecer. Isso não existe. O grande desafio dos realizadores é a megalomania. É melhor começar menor e ir construindo uma base de usuários.

 

IDEA: E dúvidas dos usuários?

Rodrigo Machado: Do lado do apoiador, a dúvida é sempre em relação aos fluxos da plataforma: quando eu recebo meu dinheiro de volta; por que vocês ficam com o dinheiro; se o projeto falhar, quando eu recebo meu estorno; ou ainda de pessoas que não tem familiaridade com pagamento online. Para ter uma ideia, nosso ticket de maior incidência é “o meu boleto venceu, como eu imprimo um novo boleto?”. Existem também algumas dúvidas questionando projetos e existe uma seara de denúncia: nós temos um mecanismo de denúncia se algo no projeto te desagradar, para colhermos essa “inteligência do desagrado”. E aí vêm as coisas mais loucas, porque estamos numa época de intolerância.

 

IDEA: Do ponto de vista jurídico, há dúvidas dos dois lados também?

Rodrigo Machado: Sempre em relação a como declarar e à tributação. Essa é a principal dúvida a ponto de a gente ter criado um manual com as principais informações.

 

IDEA: Quais são os principais tipos de projeto inscritos? E os que costumam ter um bom desempenho de captação?

Rodrigo Machado: A principal categoria, no topo, é música, que sempre esteve em primeiro lugar. Por exemplo, 40% da arrecadação em música, em 2016, vieram de projetos na faixa entre 10 e 30 mil reais, justamente de pessoas que estão se lançando, e não de artistas de alta proeminência. Além da música, cinema e vídeo sempre foi uma categoria muito forte. Causas sociais, especificamente, sempre apareceram bem no Catarse e nós sempre tivemos um certo apreço por isso. O Catarse sempre se posicionou ao lado, principalmente, de causas mais progressistas: como dar voz a pautas que têm dificuldade de entrar na grande mídia ou de ultrapassar os mecanismos de editais. Temos o caso de uma peça de teatro que trabalhava com o tema de homoafetividade, que acabou ganhando prêmio de teatro e que não tinha conseguido nada em edital, justamente por trabalhar nesse tema. Temos também o filme “Quando eu parei de me preocupar com canalhas”, do Tiago Vieira, que era basicamente uma ode contra o sistema político atual e que optou pelo crowdfunding para dar legitimidade à narrativa deles. Eles acabaram indo parar em Cannes. Além desses, há o caso da Marcela Uliano, com uma pesquisa de decodificação do genoma do mexilhão dourado. Ela financiou a pesquisa científica para encontrar maneiras de combater o mexilhão dourado, que vem em água de lastros de navios e invade a bacia hidrográfica, sem afetar o meio ambiente brasileiro. Ela virou TED Fellow, ganhou visibilidade e tudo começou com o projeto. Hoje nós temos um acúmulo de casos interessantes que são bem fora do padrão: não são ONGs típicas, são pessoas comuns que têm fatores de identificação com outras pessoas e que alcançaram resultados bem legais. Outra categoria extremamente efervescente são os quadrinhos. Nós recebemos um prêmio de maior contribuição ao quadrinho nacional, porque existe uma gama enorme de quadrinistas, tanto estreantes quanto mais bem estabelecidos, que estão usando o Catarse de uma maneira intensa pra botar trabalho na roda. O principal feedback dos clientes é que a principal fonte de inspiração deles são referências de outros projetos, então estamos começando a entrar numa lógica de estruturar melhor esses conhecimentos para entregar isso de uma maneira legal. É a mesma coisa que fazemos, tentando suavizar ao dar um feedback que pode ser eventualmente duro: falar “olha, você tem que ir com calma”. Não é nem dizer “desiste do teu projeto”, mas é falar “olha, tem flancos que estão abertos”. Tentamos fazer isso com delicadeza e elegância ao máximo possível.

 

IDEA – Já que estamos falando dos temos, e o crowdfunding para jornalismo no Brasil?

Rodrigo Machado: O que é mais forte são justamente as pessoas que defendem a mídia independente, tem bastante coisa sobre isso no Catarse. Você vai ter uma ou outra publicação impressa, de um jornalismo mais sistemático, mas o que você vai ter de grande força é a Agência Pública, que já tem dois projetos para financiar reportagens independentes e que foram muito legais. A primeira versão, que sempre estava convocando os apoiadores a ajudarem a decidir as pautas, foi bem interessante. Na segunda versão, a dinâmica mudou um pouco, as pautas já eram decididas. Algo me diz que eles estão indo para um terceiro projeto agora. Tivemos os Jornalistas Livres também. Temos vários projetos, por exemplo, de documentários que têm um teor mais jornalístico. Então, acho que o jornalismo, no financiamento coletivo, ainda está muito ligado à afirmação do jornalismo independente. Existe um ou outro trabalho, o que eu acho que vai crescer um pouco mais agora, de entender o modelo de assinaturas do jornalismo independente. Temos uns cases no exterior, como o The Correspondent, e o NEXO, aqui no Brasil, está usando esse modelo de fortalecer uma mídia fora desse circuito da grande mídia convencional, por meio de um fundo de assinatura, que, na essência, é uma das modalidades de crowdfunding no jornalismo. Eu diria que o teor principal é de mídia independente.

 

IDEA – E jornalistas individualmente? Vocês têm algum case de jornalista que não é ligado a nenhum tipo de coletivo, ainda que de mídia independente, que tenha tido uma ideia de bancar uma reportagem?

Rodrigo Machado: Então, esse case da Agência Pública é isso: eles arrecadaram dinheiro pra bancar 10 reportagens, mas não é um jornalista.

 

IDEA – Mas repórteres do interior, por exemplo, que não têm acesso a esse mercado dos grandes centros, isso ainda não apareceu?

Rodrigo Machado: Assim, de maneira individual e constante, não. O que aparece – não acredito que seja jornalismo necessariamente – é, por exemplo, o livro “Jovem o Suficiente”. É um jovem, que tem na cabeça a ideia de “eu quero percorrer o mundo para entender como que é a infância sob o olhar de diferentes culturas”. Se você entender isso como publicação, você pode entendê-lo como um trabalho também de investigação jornalística em algum nível, mas são pautas mais relaxadas, geralmente mais voltadas a viagens. Você vai pegar, por exemplo, o pessoal que fez a viagem de várias escolas em movimentos colaborativos para entender e trazer esse conhecimento, gerar post, mas eu não acho que venha do meio convencional do jornalismo. Eu acho que são pessoas que têm uma pesquisa específica, querem aprofundar essa pesquisa, e você poderia tratar isso como uma pauta jornalística, mas não fazem segundo os tipos de processos jornalísticos. Essa figura do jornalista individual, que chega e fala “o crowdfunding vai funcionar nisso aqui”, acho que ela ainda não floresceu completamente, mas teria muito espaço para isso.

 

IDEA – Você acha que a utilização das plataformas de crowdfunding ainda está crescendo no Brasil? Quanto a crise econômica afetou e tem afetado a captação dos projetos?

Rodrigo Machado: Pela nossa experiência, diria que está crescendo, por alguns motivos. Claro que eu não tenho um estudo completo do mercado como um todo, e não fazemos esse estudo oficial por aqui. Mas nós temos crescido. Em 2015, demos uma estagnada um pouco maior, e acho que essa estagnação envolve desde uma questão de gestão nossa, de inexperiência — fizemos um crescimento exagerado, tanto que retornamos a outro tipo de funcionamento agora —, até o fato de que o cenário se diversificou em 2015. A plataforma Benfeitoria, por exemplo, mudou de estratégia, o Kickante cresceu um pouco mais, entrando no mercado mais voltado pra ONGs. Então, o que vimos foi algo diferente do que era no começo do mercado, quando eram 22 plataformas, e, no final, acabaram sobrando quatro. Das poucas plataformas que sobraram, e com a entrada do Kickante também, formou-se um mercado um pouco mais consolidado de crowdfunding, de doação, no país. E então começou uma espécie de disputa de território pelo marketshare. Este ano, por exemplo, estamos crescendo 41%, é um crescimento relativamente bom para um mercado que está com seis anos. A tendência é que cresçamos um pouco mais em 2017, se tudo der certo. Eu entendo que há crise, principalmente para os setores mais voltados para empreendedorismo e artes, e há a escassez por parte dos meios tradicionais de financiamento — foi o que aconteceu com o Kickstarter, por exemplo, eles surgem ali um pouco depois da crise de 2007 —, mas acho que isso inclusive vai trazer mais gente para o crowdfunding. Então, eu entendo que existe uma possibilidade, da parte dos realizadores, de buscar o crowdfunding: onde poderia, eventualmente, haver o problema dos apoiadores, porque na hora em que você aparece uma constrição orçamentária na sua vida, a primeira coisa que vai cortar é esse tipo de coisa, doação, lazeres supérfluos, etc. Aí que mora um pouco do perigo, mas como, em geral, as pessoas doam por identificação à causa, e depois elas definem o valor que elas vão doar a partir da recompensa — o que é um processo mais de precificação, um tipo de inteligência de uma pesquisa que fizemos um tempo atrás—, acredito que ainda não estamos sendo afetados nesse nível. Existe um depósito de uma confiança de que aquilo ali é uma via muito interessante para mostrar alternativas e para mostrar que existem pessoas que, nesse caos todo, estão fazendo coisas, e que se todo mundo se aglomerar e eliminar certos tipos de intermediários, podemos ter algo melhor, dentro dessa zona político-ideológica que anda reinando por aí. Acredito que existe certo movimento de “esperança” e “otimismo” quando as pessoas entendem o modelo. E eu diria que há também os tipos de apoiadores que se tornam repetitivos, que são aquelas pessoas que, ali nos 16% da nossa base, às vezes respondem por 30 -40% do que é arrecadado.

 

IDEA – Você citou essa diminuição no número de plataformas no Brasil. Você enxerga uma tendência de especialização entre as plataformas? Quer dizer, especialização por tema, ou por tipo de proponente. Em outros mercados mais consolidados, isso já aconteceu ou não?

Rodrigo Machado: Eu escrevi um texto sobre isso. Acredito que não. No geral, o modelo de crowdfunding é muito difícil, ele exige certo volume pra você começar a ter um mínimo de sustentabilidade do próprio negócio. O próprio Catarse, hoje, está um pouquinho acima do breakeven [ponto de equilíbrio]. Nós temos uma estrutura de custos que ainda está subutilizada — teríamos de estar pagando salários melhores, com uma estrutura de trabalho melhor —, mas, como a gente não teve investidor, não teve nada, isso é um pouco mais normal.  Então, com seis anos, já alcançamos uma posição de um pouquinho mais de estabilidade. O fato de o primeiro trimestre ser uma baixa financeira muito grande para todas as plataformas parece ser mundial, e isso já gera um impacto, porque não temos um “backup”. Então, acredito que plataformas de nicho — a não ser que elas sejam um nicho muito volumoso e que ela consiga entregar uma solução muito melhor do que outras plataformas mais generalistas — em geral têm uma tendência a não sobreviver muito. Nós já vimos algumas que tentaram isso no Brasil, e não conseguiram se manter, desde plataformas voltadas para livros, para música, quando usam o modelo de crowdfunding; mas se você vier com algum tipo de disrupção/inovação, eu não me arrisco a dizer, porque as coisas mudam muito rápido. Mas em geral, acredito que não, seria muito difícil. Eu acompanhava uma plataforma específica que eu adorava – eu trabalhei muito tempo como fotógrafo –, ela pegava o teu trabalho de fotografia, você fazia o crowdfunding e ela publicava. A plataforma tinha uma editora associada. Eles declararam a falência, tiveram alguns problemas. Então, acho bem difícil.

 

IDEA – Você já tangenciou alguns aspectos, mas quais são os desafios para consolidar e expandir o modelo do crowdfunding no Brasil? E, especificamente, o que Catarse está fazendo para isso?

Rodrigo Machado: É difícil. Nós temos uma pesquisadora no Espírito Santo que fez uma comparação bem interessante, que é assim: como a distribuição financeira ocorre no financiamento coletivo e se ela difere muito da distribuição financeira que você vê nos editais, por exemplo. E a conclusão dela, que não é tão absoluta, é  que não [há muita diferença], e que, aparentemente, existe uma tendência maior a você financiar pessoas que estão em grandes centros, onde a indústria criativa está mais desenvolvida. Há o que eu chamo de movimento “Robin Hood”, quando alguém que está aqui no centro leva dinheiro para fora. Há um projeto recente, em que a Eliane Brum está envolvida, que vai fazer tratamento para as pessoas afetadas pela questão de Belo Monte. Então, ela está levando dinheiro para lá, mas não é a pessoa de lá que pegou o dinheiro daqui ou coisas do gênero. Para crescer, eu acho que nós temos de formar cultura, e formar cultura é um processo extremamente lento, trabalhoso e há uma dificuldade de metrificar o sucesso disso. E formar cultura envolve uma série de outras variáveis: fazer as pessoas se sentirem confortáveis em fazer um pagamento online; entenderem o valor do que é você apoiar uma causa para além de um clique na internet; entenderem conceitos mais complicados; qual o risco da pessoa que está apoiando. O próprio Paypal antes reembolsava pessoas que não tinham sucesso com o crowdfunding, porque se alegava que a recompensa não era entregue, e o Paypal se sentia responsável e devolvia o dinheiro. Mas recentemente eles fizeram uma declaração formal na hora de se utilizar esse processo de que o apoiador tem de saber o risco que corre, que o crowdfunding é uma atividade em que existe algum risco – de a pessoa, inclusive, não entregar alguma coisa, porque não é como se estivéssemos em frente a uma vitrine comprando um produto; é uma aposta em uma pessoa produzir algo. Então, acho que o caminho para crescer é reforçar cada vez mais essa confiança no modelo e — o que eu acho que vai ser o movimento do Catarse em 2017 — entender o que de disruptivo e de inovação nós podemos causar no modelo para se adaptar mais ao marketfit brasileiro. Temos algumas vistas, que não vou divulgar neste momento, que consistem em inverter a lógica de como o fluxo do dinheiro acontece. Eu acho que a gente tem uma característica comportamental aqui no Brasil que está muito ligada a como as pessoas estão acostumadas a receber dinheiro em seus empreendimentos, e uma vez nós conseguimos simular esse fluxo através de crowdfunding.

 

IDEA – Qual seria a taxa de projetos que vocês recebem reclamação de quando não são entregues as contrapartidas? É significante? Vem crescendo, vem diminuindo… Como funciona?

Rodrigo Machado: Nós não temos um número específico ainda. O Kickstarter lançou recentemente um relatório de fulfillment e, na plataforma deles, somente 9% dos projetos não têm as contrapartidas entregues ou absolutamente pagas. Esse relatório, inclusive, foi feito por um professor da Wharton University, Ethan Mollick, que fez um outro trabalho interessante sobre onde estão os pontos de calor, de apoio. Confesso que hoje não temos um número exato do Catarse, mas uma sensação que eu posso te passar é a seguinte: a maioria dos projetos que é bem-sucedida, há entrega, mas o que acontece, de maneira geral, é que a entrega atrasa. Isso é um problema real praticamente em todas as plataformas. No Kickstarter, se não me engano, a média de atraso era de nove meses a um ano. O que a gente reforça bastante é que é muito comum você errar planejamento, e o problema não é você errar no seu tempo de entrega, e sim você não se comunicar com seus apoiadores – esse é o grande problema. E isso é uma coisa que estamos trabalhando mais com calma, mas posso dizer que isso é o desafio de qualquer plataforma crowdfunding: a comunicação pós-campanha e pós-finalização. Ainda é um pouco comum, isso é um aspecto cultural, e nisso há uma responsabilidade da plataforma que é favorecer esses mecanismos de interação, porque as pessoas pegam o dinheiro e demoram muito para se comunicar. Talvez isso venha de um comportamento do edital, porque ele tem um ponto marcado para isso, que é a prestação de contas. Outro ponto nisso é o aprendizado, as pessoas ainda estão aprendendo a fazer isso dessa forma. Então, nós achamos que o momento de se fazer uma pesquisa igual à do Kickstarter está chegando. Temos de colocar algum mecanismo que reforce isso? É bem possível que esse seja um dos problemas que iremos atacar em 2017. Acho que já há uma maturidade no ecossistema para poder atacar esses problemas e eles virarem uma prioridade de fato – que é onde você consegue crescer, porque você favorece relações de confiança e isso gera um efeito que está conectando uma coisa à outra.

 

Photo by William White. In: Unsplash.

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