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Uso de imagem de pessoas em instituições culturais

Para a maioria das pessoas, quando falamos em personalidade, estamos nos referindo ao conjunto de qualidades que definem a individualidade de alguém, como quando dizemos que uma pessoa é engraçada ou mal-humorada. Já no âmbito do direito, a personalidade é o que define que uma pessoa é, de fato, um indivíduo, com direitos e deveres perante a sociedade, e é algo intrínseco a todos, independentemente da sua vontade.

Os direitos de personalidade, portanto, são direitos que nascem com o indivíduo, como exemplo, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. Esses direitos garantem a defesa da integridade física, psicológica e moral de cada um, e são considerados fundamentais, estando presentes no rol do art. 5º da Constituição Federal:

Art. 5º. X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O direito de imagem é um dentre os direitos da personalidade e diz respeito às características físicas que individualizam uma pessoa em meio à coletividade. Por ser um direito de personalidade, o direito de imagem é intransmissível e irrenunciável (art. 11 do Código Civil). Logo, ainda que deseje fazê-lo, ninguém pode abrir mão da proteção de sua imagem.

Tal proteção visa evitar, por exemplo, que a fotografia de uma pessoa seja utilizada em um flyer de divulgação de um estabelecimento comercial sem autorização. Caso isso ocorra, a pessoa retratada pode alegar violação de seu direito e exigir que o uso seja interrompido, bem como pedir indenização por meio de processo judicial (art. 12).

Uma confusão muito comum é a utilização do termo “direito de imagem” para se referir à reprodução de uma obra protegida por direitos autorais. Os direitos autorais e os direitos de imagem podem andar lado-a-lado – por exemplo, quando tratamos de pinturas de retratos, em que temos as duas “camadas” de direitos dentro da mesma obra: de um lado, o direito de imagem da pessoa retratada e, de outro, os direitos autorais pertencentes ao pintor da obra –, porém são institutos legais totalmente diferentes, como é possível observar na tabela abaixo.

Direitos autoraisDireito de imagem
Pertence ao campo da Propriedade IntelectualPertence aos Direitos de Personalidade
Protege as criações literárias, artísticas ou científicas, bem como a autoria de tais obrasProtege o indivíduo, ao vedar certas utilizações de sua imagem, nome e dados biográficos

No cotidiano de instituições culturais, o uso adequado do direito de imagem é bastante relevante. É muito comum que exposições sejam fotografadas com a presença de público e, por isso, as instituições devem estar sempre atentas para garantir que não estão violando os direitos de imagem de seus visitantes ou mesmo de seus colaboradores.

O ideal é que, independentemente do tipo de uso, a instituição busque obter a autorização dos titulares de direitos de personalidade, para evitar discussões e riscos indesejados, especialmente em usos de cunho comercial. O Superior Tribunal de Justiça tem um entendimento consolidado no sentido de que “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais” (Súmula 403). Isso significa que, na prática, qualquer pessoa que tiver sua imagem utilizada comercialmente sem autorização pode pedir indenização sem necessidade de comprovar que aquela situação lhe causou prejuízo.

Em teoria, o art. 20 do Código Civil permite a utilização de imagem sem ter que pedir autorização se (i) não atingir a honra, boa fama ou respeitabilidade da pessoa retratada e (ii) tal aproveitamento não se destinar a fins comerciais (p. ex., em uma publicidade ou em um produto à venda). Do contrário, o titular dos direitos de personalidade poderia requerer a suspensão do uso e ser indenizado.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Contudo, na prática, é possível encontrar casos judiciais de responsabilização mesmo quando não há finalidade comercial na utilização da imagem de alguém.

Existem circunstâncias, definidas progressivamente pela jurisprudência, nas quais o direito de imagem é flexibilizado, especialmente naquelas situações nas quais há o exercício do direito à liberdade de expressão, como, por exemplo, a publicação da imagem de uma figura política no exercício de sua função em matérias jornalísticas. O Enunciado nº 279 da IV Jornadas de Direito Civil reforça este entendimento, ao determinar que:

“A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”

A maior parte das atividades de uma instituição cultural tem finalidades educacionais e de promoção do acesso à cultura, sendo muito comum a reprodução de imagens de pessoas em materiais institucionais (como os recorrentes catálogos de exposição), assim como na divulgação da instituição e das suas atividades nas redes sociais. A depender das imagens utilizadas e dos contextos em que elas se encontram, pode haver uma flexibilização da necessidade de autorização.

Para registros individualizados – isto é, que mostrem pessoas em destaque e/ou em fotos posadas –, a coleta da autorização por escrito é de extrema importância e não é recomendada a utilização das imagens sem que ela seja obtida. Tratando-se de crianças e adolescentes e/ou usos em materiais de divulgação (em especial, de áreas de “negócios”, como cursos, eventos, loja etc.), o risco aumenta consideravelmente sem a documentação assinada.

Já no caso de registro de multidões, não sendo possível coletar a autorização, a depender da utilização desejada, é possível fazer o sopesamento do direito de imagem com outros direitos fundamentais, conforme indicado anteriormente. Entendem-se, portanto, que o risco de utilização sem autorização assinada é menor, especialmente se para fins estritamente internos e/ou educativos.

Independentemente da coleta de autorizações, recomenda-se sempre avisar o público de que o espaço será fotografado ou filmado, seja com placas, aviso em microfone ou entrega de panfleto informativo. Como prática alternativa, pode-se utilizar algum tipo de sinalização visual que diferencie o público (crachás ou adesivos de uma determinada cor para visitantes que não desejem ter a imagem registrada).

Ainda, existem situações em que não é possível obter a autorização, como quando os herdeiros de uma pessoa falecida não foram encontrados. Nestes casos, recomenda-se que, após terem sido adotados os melhores esforços, todo o processo de tentativa de obtenção da autorização seja devidamente arquivado.

Diante de incertezas, recomenda-se a consulta de um profissional jurídico especializado.

Foto de Pauline Loroy na Unsplash

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