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Biografias: posso escrever o que eu quiser?

Em meados de 2015, o Supremo Tribunal Federal apreciou o famoso caso das “biografias não autorizadas”. Nessa ocasião, discutia-se como conciliar os direitos de personalidade dos biografados (intimidade, privacidade, imagem e honra) com os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.

 

O Tribunal acabou decidindo não ser exigível autorização prévia para a publicação de biografias. Para chegar nessa conclusão, considerou especialmente os seguintes argumentos:

a) A Constituição veda qualquer censura de natureza política, ideológica e artística;

b) A necessidade de autorização poderia significar o controle e apagar da história e da memória, o que é incompatível com o Estado democrático de direito;

c) O crescimento da notoriedade e importância da figura biografada acaba por reduzir, necessariamente, a esfera privada do indivíduo;

d) As biografias são sempre versões da vida do indivíduo, podendo comportar mais de uma narrativa;

e) A biografia de indivíduos diz respeito também à memória do país;

f) Os direitos de personalidade (previstos no Código Civil) não poderão suplantar os valores e direitos previstos na Constituição, ou seja, a liberdade de expressão e o pleno acesso à informação e ao conhecimento. [1]

 

Isso quer dizer que qualquer pessoa pode publicar uma biografia livremente?

 

Como manda a praxe no Direito, a resposta é: depende!

 

O STF apenas determinou que para se publicar uma biografia não é necessária prévia autorização do biografado. Porém, ao escrever sua história, o autor pode acabar gerando um dano à pessoa retratada ou à sua família e entes próximos. Imagine, por exemplo, se contar uma inverdade sobre a vida daquele sujeito – atribuindo-lhe um fato que não aconteceu. Ou então, se o descrever de maneira vexaminosa. Isso poderá afetar negativamente sua imagem, honra, respeitabilidade e boa fama. Em outras palavras, o autor pode acabar causando um dano!

 

No direito, toda ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência que viole um direito ou cause dano a outra pessoa – seja dano moral ou material – gera a obrigação de reparar esse prejuízo. Em termos simples, chamamos isso de responsabilidade civil.

 

Assim, não é preciso pedir autorização, mas se causar algum dano por meio da biografia poderá ser obrigado, pelo Poder Judiciário, ao pagamento de indenização, à publicação da verdade, à retirada da publicação, entre outras condenações possíveis.

 

Normalmente, quando tratamos desse tema, estamos falando de figuras públicas. Logo, o interesse coletivo pela história e memória reforçam o direito de liberdade de expressão.

 

Mas e quando terceiros desconhecidos são retratados nas biografias? Vale a mesma regra? Ainda que eles não sejam “personagens importantes” na história? Como fica o caso do direito de privacidade?

 

Recentemente, a série de romances autobiográficos “Minha Luta” do autor norueguês Karl Ove Knausgard gerou polêmica pela exposição de seus familiares. Nesse caso, o compromisso com a verdade era ainda menor, por se tratar das impressões que o escritor tinha de si, de suas lembranças e do mundo ao seu redor.

 

Os limites da liberdade de expressão e informação para publicação de biografias não foram completamente desenhados pela decisão do STF. Além de eventual regulamentação legislativa, o próprio direito, com seus institutos, normas e princípios, já abre um rico campo de debate e rediscussão sobre o assunto.

 

Abraços e boas ideias!

 

[1] Se quiser ler os votos do ministro e entender melhor o caso, confira o link: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336

 

Photo by Aleksi Tappura. In: Unsplash.

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