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A imunidade tributária dos card games

Esse não é um assunto novo para os advogados de direito tributário, mas pode ser para os agentes da economia criativa.

Você sabia que cards, Collectible Card Games, ou ainda, jogos de estratégia de cartas gozam de imunidade tributária por que são equiparados a livros? Isso significa que a Constituição Federal protege esses bens contra a tributação.

O marco desse entendimento aconteceu no Processo n.º 0009300-77.2003.4.03.6105, julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Nesse caso, o desembargador relator do caso ponderou o seguinte:

 

“No caso da imunidade em questão, revela-se inconteste a intenção do constituinte de tornar imunes os gêneros ‘livro, jornal e periódicos’, assim como o papel destinado à sua impressão, sendo certo que o vocábulo ‘livro’ não se restringe à convencional coleção de folhas de papel, cortadas, dobradas e unidas em cadernos, mas sim em qualquer suporte (disco, disquete, cartões, vídeos e outros), nos quais seja possível antever a divulgação de material literário.

Interpretar restritivamente o art. 150, VI, ‘d’ da Constituição Federal, atendo-se à mera literalidade do texto e olvidando-se da evolução do contexto social em que ela se insere, implicaria inequívoca negativa de vigência ao comando constitucional.

Na análise dos documentos colacionados aos autos, verifica-se que as mercadorias importadas pela impetrante se enquadram na classificação tarifária n. 4901.00.00, como foi por ela procedido, a qual é reservada a livros, obras literárias e assemelhados, contemplados com a imunidade de tributação conferida pelo dispositivo acima transcrito.

Com efeito, da simples leitura das cópias dos ‘cards’ importados juntadas aos autos (fls. 56/57 e 128/148), depreende-se a sua caracterização de cartões que difundem não só imagens de personagens, mas também fragmentos descritivos das características e aventuras relativas a eles, as quais, juntas, completam o todo de tais histórias de ficção infanto-juvenil.

Nesse passo, entendo cabível atribuir interpretação ampla ao disposto no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’ da Constituição, de modo a aplicar o benefício nele contemplado aos ‘cards’ que compõem as coleções mencionadas nos autos.

[…]

Ademais, não há qualquer importância no fato de que, além de se prestar a transmitir conhecimento, mesmo que lúdico, o material se preste a outra finalidade, como a de jogo de competição, pois isso não lhe retira a característica de assemelhado a obra literária.” (colchetes nossos)

 

O entendimento acima foi reforçado pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, na análise do Recurso Extraordinário n.º 656203. O caso tratava justamente da famosa série de cardgames “Magic: The Gathering”. O tribunal se baseou no entendimento de que a imunidade dos livros, jornais e periódicos também alcança os álbuns de figurinhas e os respectivos cromos, independentemente da comercialização em separado desses últimos.

O assunto continuou a sendo julgado pelos tribunais do país, valendo citar, a título de exemplo, a seguinte ementa:

 

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. CARDS POKEMON. IMUNIDADE. ART. 150. VI. ‘d’ CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HONORÁRIOS. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO UF DESPROVIDAS. – O art. 150, inciso VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal, disciplina a imunidade sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. – O objetivo da norma constitucional em exame é garantir a liberdade de comunicação e de pensamento, além de incentivar a divulgação do conhecimento e a disseminação da cultura. – Da documentação juntada aos autos, verifica-se que os ‘Cards’ importados pela autora (fls. 76/86) possuem conteúdo interativo que permite a leitura pelos colecionadores, além de personagens retirados de livros ilustrados (fl. 87) – Anote-se que o texto constitucional deve ser interpretado de maneira teleológica, de forma a incluir os ‘Cards’ no conceito de livros e periódicos da regra imunizante. – Cabe ao intérprete averiguar a finalidade que busca a lei, ou seja, não deve se ater exclusivamente à letra fria desta, mas, sim, buscar o real objetivo que ela almeja. – Precedentes do Eg. STF e desta Corte. – Imunidade prevista constitucionalmente independe do modelo ou tipo do livro, devendo, portanto, alcançar a mercadoria aqui discutida, especialmente frente a precedentes do Colendo Supremo Tribunal Federal, quanto à imunidade conferida ao álbum de figurinhas. […]”(TRF3, 0009368-32.2009.4.03.6100, Desembargadora Federal Mônica Nobre, Quarta Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/12/2017, colchetes nossos)

 

Ainda que a extensão da imunidade dos livros, jornais e periódicos para os “cards” possa ser matéria controversa no Direito Tributário, fato é que a desoneração deste setor pode auxiliar no desenvolvimento de uma indústria nacional de desenvolvedores e editoras. Sabe-se que esse mercado está em pleno crescimento no país. Se você pensa em empreender no ramo, vale conhecer esse cenário favorável.

Além disso, tão importante como o fortalecimento do mercado cultural, é verdade que a desoneração pode contribuir com a ampliação do acesso da população desta prática cultural. Aliás, apesar de pouco noticiado nas mídias tradicionais, vários brasileiros têm demonstrado um excelente desempenho nos torneios internacionais de cardgames.

Gotta Catch ‘Em All.

 

Imagem: Wikimedia commons.

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