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Um ideia de projeto de lei para facilitar a produção de documentários no Brasil

O Brasil é internacionalmente reconhecido e premiado pela qualidade de seus documentários. No entanto, muita gente não sabe que a produção de obras dessa natureza é tão complexa quanto ficções.

Um dos pontos mais sensíveis é a regularização da cadeia de direitos.

Afinal, no documentário, é comum a representação de imagens de pessoas, obras, marcas e outros conteúdos que são protegidos por direitos. Como regra geral, a produtora deveria obter autorização dos respectivos titulares de direitos para fazer os registros audiovisuais e a futura exploração do documentário. Porém, se seguirmos isso ao “pé da letra”, o documentário pode ser totalmente inviabilizado.

Por exemplo, será que um biografado iria autorizar o uso de seu nome e imagem em um filme que vai falar de crimes que cometeu ou então de algum fato controverso em sua vida? É por esse motivo que o STF já declarou não ser necessária a autorização do biografado em obras biográficas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4815.

No entanto, ainda que essa ADI tenha sido muito importante no setor audiovisual, ela ainda não gera a segurança ideal para os profissionais da área. Isso porque o julgado não tratou de todos os assuntos que orbitam o tema, especialmente, no campo audiovisual.

Diante disso, neste artigo, quis trazer meus “dois centavos” para o debate e sugerir uma ideia de texto de Projeto de Lei que enfrente alguns dos temas complexos que vejo no dia a dia de meu escritório. Obviamente, minha intenção não é esgotar o tema e nem oferecer um texto de projeto pronto, mas trazer à tona uma iniciativa de regulamentação que poderia ajudar muito a produção documental brasileira.

Segue texto:

PROJETO DE LEI N.º ____ DE 2022

Institui o Marco Regulatório da Produção de Obras Audiovisuais do tipo documentário no Brasil.

Art. 1º. A obra audiovisual do tipo documentário é considerada essencial para garantir o desenvolvimento educacional e cultural no Brasil por meio da ampliação do acesso à informação e a promoção da memória e do senso crítico da população.

Art. 2º. Considera-se obra audiovisual do tipo documentário a obra audiovisual não seriada ou seriada organizada em temporada única ou em múltiplas temporadas, com qualquer duração, que atenda a um dos seguintes critérios:

a) ser produzida sem roteiro a partir de estratégias de abordagem da realidade, ou;

b) ser produzida a partir de roteiro e cuja trama/montagem seja organizada de forma discursiva por meio de narração, texto escrito ou depoimentos de personagens reais.

Art. 3º. A Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com o artigo 20-A, com a seguinte redação:

“Art. 20-A. É livre a utilização do nome, imagem, voz, sinais distintivos e dados biográficos do biografado em obra biográfica, inclusive obra audiovisual do tipo documentário, sem necessidade de prévia autorização do titular ou sucessores ou de remuneração destes.

§ 1º. É livre a reprodução do nome, imagem, voz, sinais distintivos e dados biográficos de entrevistados ou de pessoas representadas em obras audiovisuais do tipo documentário, ainda que não sejam o personagem principal da narrativa ou biografia, desde que atendidos algum dos requisitos abaixo:

  1. Houver autorização por qualquer meio;
  2. O registro for realizado em logradouro público, mas sem que o representado esteja em contexto ou situação privada;
  3. O registro for realizado sem destaque ou foco específico para o representado;
  4. A pessoa representada for considerada figura pública ou notoriamente conhecida;
  5. A pessoa representada for figura essencial para a narrativa do documentário.

§ 2º. Não será exigível alvará judicial para participação de menores em documentários, ou ainda, a utilização do nome, imagem, voz, sinais distintivos ou dados biográficos dos menores, desde que respeitada a integridade física e mental da criança ou jovem e observadas as garantias da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, sendo suficiente uma autorização dos responsáveis legais.

§ 3º. A autorização dos responsáveis legais por eventuais representações de menores somente será dispensada nos seguintes casos:

  1. O registro for feito em logradouro público sem destaque específico para o representado;
  2. O representado já ter sido emancipado à época do lançamento oficial da obra audiovisual;
  3. O responsável pela obra audiovisual utilizar ferramentas de anominização e não identificação do menor.

§ 4º. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º, caberá indenização caso o uso ou reprodução comprovadamente atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade da pessoa retratada ou representada.

§ 5º. Não se considera dano à honra, boa fama ou respeitabilidade a atribuição de conduta considerada ilícita ou outros fatos notoriamente conhecidos ou comprovados da vida do biografado e demais pessoas retratadas e que constituam parte relevante da narrativa da obra audiovisual.

§ 6º. Além da indenização prevista no parágrafo 4º, caberá tutela inibitória, inclusive com obrigação de suspensão da exibição e comercialização da obra audiovisual caso esta veicule informação inverídica contra o representado e que acarrete danos permanentes à sua honra, a boa fama ou a respeitabilidade.

§ 7º. Salvo disposição em contrário, a autorização de nome, imagem, voz, sinais distintivos e dados biográficos é concedida a título irrevogável e irretratável, pelo prazo máximo de proteção legal da obra audiovisual, com o intuito de garantir o amplo acesso ao conhecimento e à informação pela sociedade.”

Art. 4º. A Lei n.º 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, passa a vigorar com o inciso IX, no artigo 46, com a seguinte redação:

“Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

[…]

IX – a utilização de obras, fonogramas ou interpretações de autoria do biografado ou contendo a participação do biografado em obra audiovisual do tipo documentário.”

Art. 5º. A Lei n.º 9.270, de 14 de maio de 1996, passa a vigorar com o inciso V, no artigo 132, com a seguinte redação:

“Art. 132. O titular da marca não poderá:

[…]

V – Impedir a citação da marca em obra audiovisual do tipo documental, mesmo que esta contenha crítica ao seu titular, observado eventual direito de reparação por fatos inverídicos eventualmente associados à marca ou seu titular.”

Art. 6º. A obra audiovisual do tipo documentário tem finalidade equiparável à obra jornalística, sendo livre a sua produção e circulação, sem censuras de qualquer natureza.

Art. 7º. Esta Lei entra em vigor após decorridos 30 (trinta) dias de sua publicação oficial.

Photo by KAL VISUALS on Unsplash

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