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A quem pertence a fotografia em trabalhos sob encomenda?

É comum que empresas ou profissionais do ramo da fotografia prestem serviços sem um contrato assinado propriamente dito, baseando-se apenas na proposta comercial. Nestes casos, pode surgir a dúvida: a quem pertence os resultados do trabalho?

A antiga Lei de Direitos Autorais (n.º 5.988/73) possuía previsão específica sobre o assunto, dizendo o seguinte: “Art. 36. Se a obra intelectual for produzida em cumprimento a dever funcional ou a contrato de trabalho ou de prestação de serviços, os direitos do autor, salvo convenção em contrário, pertencerão a ambas as partes, conforme for estabelecido pelo Conselho Nacional de Direito do Autor.” A nova Lei (n.º 9.610/98), por outro lado, não trata especificamente sobre o tema.

Desse modo, a princípio, aplica-se a regra geral de que a autoria e titularidade dos direitos sobre as obras fotográficas são atribuídas ao seu criador (ao fotógrafo). Tais direitos só podem ser transferidos ao contrante, ou seja, aquele que encomendou a fotografia por contrato escrito, por expressa disposição do artigo 50 da mesma Lei: “Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.

Mesmo que o fotógrafo entregue cópias das fotografias, isso não significa, a rigor, que tenha transferido quaisquer direitos de utilização, fruição ou disposição daquelas imagens para o seu contrante. Por esse motivo, é essencial que as partes tenham um documento regulando sua relação e as possibilidades de aproveitamento do trabalho.

Ademais, devemos destacar que a lei não exige que a obra tenha valor artístico para ser protegida pelos Direitos Autorais. Em outras palavras, não nos cabe uma avaliação estética da qualidade ou mérito do trabalho do fotógrafo como condicionante da proteção normativa.

Vale reproduzir aqui trecho de decisão recente do STJ sobre o tema:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL E PROCESSUAL CIVIL. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE ÓBICES. FOTOGRAFIA. OBRA INTELECTUAL PROTEGIDA. ART. 7º, VII, DA LEI 9.610/98. AGRAVO NÃO PROVIDO. […] 

2. Nos termos do art. 7º, VII, da Lei 9.610/98, são consideradas obras intelectuais protegidas “as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia”. Dispõe também a lei que “cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”, dependendo “de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades” (arts. 28 e 29).

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido que a fotografia, por si só, constitui obra intelectual protegida pela Lei Autoral e que, ainda que produzida no âmbito de uma relação contratual, mesmo nas relações de trabalho, torna-se propriedade exclusiva do autor, impedindo a cessão não expressa dos respectivos direitos.

4. O Tribunal de origem, examinando as circunstâncias da causa, concluiu que a fotografia em questão não teria a proteção da Lei de Direitos Autorais, porque produzida a pedido do contratante, consignando que o fotógrafo ‘foi convidado pela direção do Centro de Convenções para prestar serviço de freelancer, com o fim de fotografar o referido Centro de Convenções, por meio de tomada aérea, o que gera a presunção de que foi devidamente pago por esse serviço” e que “a própria direção do Centro de Convenções disponibilizou todos os meios e contraprestações para a execução do trabalho, tendo inclusive requisitado um helicóptero, o que sugere que a fotografia seja de domínio público, sobretudo porque, além de ter sido contratada pelo Ente Público, retrata imagem antiga de Brasília”.

5. A interpretação dada aos fatos descritos no acórdão recorrido, no entanto, não se mostra em consonância com a Lei 9.610/98. A mera circunstância de que a fotografia tenha sido executada a pedido do contratante para determinada finalidade – no caso, a confecção de uma maquete -, e que o contratado tenha, por isso, recebido a remuneração correspondente, não representa, ipso facto, a transferência dos respectivos direitos autorais, permitindo a utilização da obra fotográfica para fins diversos do contratado. A teor dos arts. 28 e 29, I, da Lei 9.610/98, a cessão dos respectivos direitos depende de autorização expressa do titular da obra, não podendo, portanto, ser presumida.

6. A inexistência de previsão do alcance da cessão objeto da contratação entre as partes, se total ou parcial, faz incidir, na espécie, a regra do art. 49, VI, da Lei 9.610/98, no sentido de que, “não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato”. Precedentes.

7. Agravo interno improvido.” (STJ, AgInt no AgInt no AREsp 775401 / DF, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, DJe 11/04/2019)

É claro que, como temos repetido, o Direito não é uma ciência exata e cada caso terá suas especificidades. É possível que a participação do contratante seja, de alguma forma, criativa, fazendo jus à coautoria da obra. As possibilidades de uso da fotografia, ao nosso ver, também devem ser interpretadas à luz do princípio da boa fé nas relações contratuais. O uso pretendido pelo contratante pode estar abarcado pelas hipóteses de exceção de obrigatoriedade de prévia autorização. Enfim, são “detalhes” que podem alterar essa resposta genérica para nossa pergunta inicial.

 

Foto: Kevin Grieve. In: Unsplash.

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