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A pegadinha dos Lannister e a cláusula de aparência de atores em contratos de elenco

O ator Nikolaj Coster-Waldau, que interpretava Jaime Lannister em Game of Thrones, quase chegou a ser processado pela HBO (produtora da série) em razão de uma pegadinha. Ao que parece, seus longos cabelos loiros eram um assunto constante na produção. Eis que Nikolaj, com o que chamamos no direito de “animus jocandi” (intenção de brincar), enviou um comunicado aos executivos do canal informando que havia cortado seu cabelo como uma decisão artística e profissional – acompanhado de uma foto antiga para simular a situação. A notícia não foi bem recebida e o caso quase saiu do controle.

O caso é interessante para discutir uma dúvida comum no meio audiovisual: é possível obrigar o ator a manter uma certa aparência?

A preservação da aparência dos atores normalmente envolve questões de ordem (1) estética, como a decisão do diretor e produtor; (2) comercial, especialmente nas séries, quando o público já assimila determinado ator a um personagem, ao passo que mudanças podem impactar negativamente a exploração; e (3) de coerência interna do produto final, uma vez que as flutuações de aparência poderiam gerar estranheza na obra em si. E como a legislação trata o assunto?

A Lei n.º 6.533/78, que dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artistas e de técnico em Espetáculos de Diversões, não traz uma disposição específica sobre o tema. Por outro lado, prevê ser “livre a criação interpretativa do Artista e do Técnico em Espetáculos de Diversões, respeitado o texto da obra” (artigo 24). Ao nosso ver, a intensão do artigo é justamente tentar conciliar a liberdade criativa do intérprete e o conteúdo da obra em questão. Desse modo, o artista poderá trazer suas contribuições mas encontrará como limite o texto da própria obra interpretada, inclusive eventuais descrições físicas de personagens.

No entanto, é evidente que esse dispositivo não resolve a questão. Temos diversos exemplos de adaptações que trocam o gênero, a etnia e características físicas dos personagens, sob os mais diversos pretextos e intenções. Na prática, o processo de realização de uma obra audiovisual é dinâmico, de modo que o texto (o roteiro) pode ser revisto pelos autores, roteiristas colaboradores, pela produtora, diretor e assim por diante. Do mesmo modo, a interpretação dos atores também pode sofrer variações conforme a obra se desenvolve.

Normalmente, a questão da aparência é resolvida pelas vias contratuais. Assim, a produtora contratante obriga o ator a não realizar alterações substanciais que possam implicar na representação das características físicas do personagem. O descumprimento dessa cláusula somente pode ser constatado no caso concreto. Uma tatuagem, por exemplo, pode ser feita em um lugar escondido e não interferir nas filmagens.

Por fim, vale ponderar também que a mesma Lei prevê que “nenhum Artista ou Técnico em Espetáculos de Diversões será obrigado a interpretar ou participar de trabalho possível de pôr em risco sua integridade física ou moral” (artigo 27). Logo, não seria possível obrigar o ator a manter uma condição que pudesse representar risco à sua integridade física ou moral. Isso não significa, porém, que este, por sua própria vontade, não possa testar seus limites físicos em prol de um papel.

 

 

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