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Deputada Mara Gabrilli em entrevista exclusiva sobre acessibilidade cultural

Veja o que muda para os equipamentos e produtores culturais após a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência e os próximos passos de sua regulamentação

“Especial de Acessibilidade Cultural” – Parte 1

 

1 – Quais são as principais dificuldades enfrentadas hoje pelas pessoas com deficiência para acessar equipamentos, bens e serviços culturais?

Além da questão mais óbvia, que é a da acessibilidade física nos espaços, alguns lugares não contam com os recursos de comunicação: libras, audiodescrição, legenda closed caption.

 

Pense que para um cego ir a uma exposição de arte, por exemplo, ele precisa contar com recursos sonoros, que pode ser através de visitas guiadas ou de tecnologias assistivas. Já para um surdo que se comunica através da Língua Brasileira de Sinais, e que deseja assistir uma peça de teatro, é preciso ter a oferta de um intérprete de Libras.

 

Há também a necessidade do público com deficiência intelectual, que não encontra praticamente nada de oferta de recurso pedagógico para, por exemplo, utilizar uma biblioteca. Aqui em São Paulo, felizmente, temos muitos locais e equipamentos que já oferecem esses recursos, mesmo que de forma esporádica. No entanto, no restante do Brasil, a oferta de cultura acessível ainda é incipiente.

 

O Instituto Mara Gabrilli elaborou um guia de acessibilidade cultural da cidade de São Paulo. Neste material traçamos lugares na cidade de São Paulo e avaliamos itens como a acessibilidade física, acesso à informação, ao conteúdo e mediação, além de propostas inclusivas. É possível consultar o guia pelo site acessibilidadecultural.com.br/ e encontrar teatros, museus, cinemas, centros culturais, casas de espetáculos e bibliotecas.

 

2 – O Estatuto da Pessoa com Deficiência entrou em vigor no início de 2016, com um capítulo sobre direito à cultura. Acredita que ele seja suficiente para sanar essas dificuldades?

Se cumprida na prática, com certeza. Dentre outros acessos, a LBI [Lei Brasileira de Inclusão] garante, por exemplo, que as salas de cinema ofereçam, em todas as sessões, recursos como janela de libras e legenda closed caption para os surdos, além da audiodescrição para os cegos. Outra novidade é que agora as pessoas com deficiência poderão escolher os locais acessíveis em casas de shows e espetáculos. Esses locais devem estar espalhados em vários pontos dos estabelecimentos, não mais em áreas exclusivas ou segregadas. E devem acomodar não só a pessoa com deficiência, mas também grupos comunitários e seus familiares. Isso faz toda a diferença para inclusão deste público.

 

3 – A Ancine colocou em consulta pública em junho uma minuta de Instrução Normativa que regulamenta acessibilidade visual e auditiva nas salas de cinema. Existe um mesmo movimento em Brasília para publicação de um decreto regulamentador para os demais segmentos da produção cultural, como teatro, livros, música etc?

A LBI prevê a garantia de acessibilidade à pessoa com deficiência em todos os âmbitos, seja na cultura, lazer ou esporte. Alguns desses dispositivos já estão em vigor, como a obrigação das editoras de livros em ofertar seus títulos acessíveis no momento dos lançamentos. Outros direitos estão em processo de regulamentação, como as salas de cinema e casas de espetáculo que terão o prazo de dois anos para se adaptarem. Isso a partir da vigência da Lei (janeiro de 2016).

 

4 – Acredita que os produtores e gestores de equipamentos culturais devem se antecipar à regulamentação? Quais providências devem ser tomadas?

Acho que o primeiro passo é entender a necessidade deste público que é sedento por cultura e ainda encontra pouca oferta. Os gestores precisam ter a compreensão que além da legislação, que terão de cumprir, precisam se informar sobre o funcionamento de cada um desses recursos e a melhor forma de viabilizá-los ao público. O pensamento tem que ser um só: atender bem é atender a TODOS.

 

5 – Existe algum movimento no Executivo para regulamentar a acessibilidade dos produtos e serviços culturais produzidos por meio de leis de incentivo fiscal?

A própria Lei Brasileira de Inclusão determina que os repasses de recursos públicos sejam concedidos sob a condição do cumprimento de acessibilidade em qualquer que seja o projeto. Além disso, alteramos um dispositivo da Lei Rouanet para que os projetos culturais, sempre que possível, atendam às especificações técnicas de acessibilidade.

 

6 – Quais são os próximos passos dessa discussão?

Agora a discussão está no âmbito Executivo.

 

7 – Como analisa a dinâmica com os órgãos de proteção ao patrimônio para a realização das adaptações necessárias em equipamentos culturais tombados?

O IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) oferece publicações com orientações técnicas para viabilizar projetos de acessibilidade em centros culturais, e muitos desses locais são tombados. Claro que é um tema que precisa ser discutido e trabalhado com muito cuidado, mas acredito que o Desenho Universal pode ser colocado em prática em qualquer equipamento. Se o Coliseu é acessível, qualquer outro prédio histórico pode ser.

 

Eu tenho uma experiência pessoal com isso, quando tomei posse na Câmara dos Deputados, que faz parte do Congresso Nacional, que é tombado. A Casa não era acessível e foi através de uma Comissão de Acessibilidade, que tem feito um trabalho cuidadoso para adequar a Casa aos parlamentares e qualquer outro cidadão com deficiência, que o Plenário e a Mesa Diretora tornaram-se acessíveis. Graças ao trabalho desta comissão, que conta com uma equipe que há muitos anos vem trabalhando para adaptar a Casa, que foi implantado um sistema de votação que permite a uma pessoa sem movimentos do pescoço para baixo, como eu, votar com autonomia e sigilo apenas com o movimento do rosto. Essa é uma prova prática de que a acessibilidade é possível em qualquer lugar e equipamento.