O mercado de videogames e jogos eletrônicos tem mostrado um excelente crescimento no Brasil e no mundo. Porém, como toda inovação tecnológica, os games oferecerem alguns desafios para os operadores do direito. Os jogos eletrônicos possuem uma natureza bastante complexa, sendo formados por obras audiovisuais, músicas, software e outros elementos protegidos pelas leis de propriedade intelectual. A depender de como considerarmos os games, muda-se a forma de proteção e o regime jurídico a eles aplicável. Neste texto, queremos trazer apenas 4 das inúmeras possíveis questões sobre esse assunto. Vamos lá?
1. Como os jogos eletrônicos são protegidos pela lei brasileira?
A Lei de Direitos Autorais (Lei n.º 9.610/98) prevê que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” (art. 7º). Alguns dos elementos que compõem e constituem o game são facilmente identificados como obras protegidas, por exemplo: gravuras, ilustrações, roteiros, personagens e músicas.
Porém, não existe uma previsão específica para os jogos.
Assim, será que devemos considerá-los como “obras audiovisuais” ou “programas de computador”?
A obra audiovisual é definida como aquela “que resulta da fixação de imagens com ou sem som, que tenha a finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua veiculação” (art. 5º, inciso i). Já o programa de computador “é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados” (art. 1º, da Lei n.º 9.609/98).
Não há dúvidas de que esses são componentes importantes e que estruturam o jogo, mas será que estamos falando de um novo tipo de obra mais complexo?
2. Por quanto tempo são protegidos os games no Brasil?
O prazo de proteção depende de como classificamos os jogos. Se entendermos que é uma obra audiovisual, a proteção é de 70 anos, a contar de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de sua divulgação (art. 44, da Lei n.º 9.610/98). Se for um programa de computador, a proteção é de 50 anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação (art. 2º, § 2º, da Lei n.º 9.609/98). Finalmente, se concluirmos que é um outro tipo de obra, aplica-se a regra geral de 70 anos, contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao do falecimento do autor.
3. Quem é considerado o autor do game no país?
Essa é mais uma questão que pode ter diferentes respostas dependendo de como compreendemos
O game pode ser considerado uma obra coletiva, ou seja, aquela criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma (artigo 5º, inciso VIII, alínea “h”, da Lei n.º 9.610/98). Nesse caso, cabe ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva (art.17, § 2º, da mesma lei).
No caso das obras audiovisuais, o artigo 16 da Lei de Direitos Autorais pode gerar certa confusão ao prever que: “são co-autores da obra audiovisual o autor do assunto ou argumento literário, musical ou lítero-musical e o diretor“. Essa disposição faz com que as produtoras tenham bastante cuidado em centralizar os direitos sobre suas obras através de contratos e cláusulas de cessão. O eventual vínculo de emprego, por exemplo, não significa necessariamente que o empregado cede os direitos de suas criações para seu empregador.
Quanto passamos para o campo dos programas de computador, é importante citar o artigo 4º, da Lei n.º 9.609/98, que trata da titularidade desse tipo de criação:
“Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.
§ 1º Ressalvado ajuste em contrário, a compensação do trabalho ou serviço prestado limitar-se-á à remuneração ou ao salário convencionado.
§ 2º Pertencerão, com exclusividade, ao empregado, contratado de serviço ou servidor os direitos concernentes a programa de computador gerado sem relação com o contrato de trabalho, prestação de serviços ou vínculo estatutário, e sem a utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais e de negócios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, da empresa ou entidade com a qual o empregador mantenha contrato de prestação de serviços ou assemelhados, do contratante de serviços ou órgão público.
§ 3º O tratamento previsto neste artigo será aplicado nos casos em que o programa de computador for desenvolvido por bolsistas, estagiários e assemelhados.”
4. Há direitos morais de autor sobre os games?
Os direitos morais estão relacionados à personalidade do autor. Podemos citar como exemplos o direito ao crédito e direito de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra (artigos 22 e seguintes da Lei n.º 9.610/98). O direito moral pertence sempre ao autor da obra que a criou, não sendo possível transferi-los ou renunciá-los. No caso das obras coletivas, “qualquer dos participantes, no exercício de seus direitos morais, poderá proibir que se indique ou anuncie seu nome na obra coletiva, sem prejuízo do direito de haver a remuneração contratada” (art. 7º, § 1º, da Lei n.º 9.610/98).
No caso das obras audiovisuais, “cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais” (artigo 25, da Lei n.º 9.610/98). Já na hipótese dos programas de computador, “não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação” (art. 2º, §1º, da Lei n.º 9.609/98).
5. Outros elementos do jogo podem ser protegidos?
Conforme mencionamos anteriomente, os games são formados por diversas obras que também recebem a proteção dos direitos autorais. Além dessas, podemos lembrar também que as “marcas” também recebem tutela pela legislação de propriedade industrial. Os desenvolvedores também podem contar com as regras que proíbem a concorrência desleal, por exemplo, de imitadores que tentem roubar o público consumidor de seu jogo. Se pensarmos em embalagens, controles, consoles e demais itens envolvidos na experiência do jogo, podemos falar de patentes e desenho industrial. Por outro lado, há alguns elementos que, a princípio, não são protegidos como ideias, mecânicas, regras do jogo e conceitos (conferir artigo 8º da Lei n.º 9.610/98 e 10 da Lei n.º 9.270/96).
Apesar de não haver uma definição taxativa na lei, há diversos precedentes jurisprudenciais equiparando os jogos eletrônicos aos programas de computador. Fato é que ainda existe um vasto campo de pesquisa e discussão sobre o regime jurídico dos games, que envolve questões de classificação indicativa, contratos, competência regulatória (da ANCINE), tributação e assim por diante.
Imagem: jogo “The Legend of Zeld – a link to the past” (1991), da Nintendo.