Começar esta coluna escrevendo da sociedade contemporânea seria um lugar comum, mas é por essa sociedade que chamo de contemporânea onde passa tudo que faz jus ser tratado na proposta do IDEA.
O IDEA tem para si um objetivo central, onde os seus participantes pouco ou nada discordam – e garanto isso é bom para não só manter a coisa toda, como para manter a própria rotina de pensamentos –, mas o IDEA tem também suas periferias de propostas. Nessas periferias, está o local onde pretendo colocar o tema central desta série. Tentarei aqui trazer um pouco das questões relativas à tal da sociedade contemporânea e aos conflitos decorrentes do exercício e da produção criativa, sem me adentrar muito ao que poderíamos definir como essa “Economia Criativa”. Neste objetivo, certamente, outros estão empenhados.
Outra questão que não quero me afastar ao longo dos textos que virão e que, sem sombra de dúvida, está no meio da proposta do IDEA é a tentativa clara de falar falando. Digo isso para afirmar que tudo que será escrito aqui tem, sim, um fundamento muito mais profundo e técnico do que pode parecer pela forma superficial da escrita. Assim, não vamos nos referir àquel@ economista, sociólog@ ou jurista modern@ apenas para dar uma cor intelectualizada ao tema. Assumo o risco de ser apontado como um parafraseador que não fornece fontes; peço desculpas aos autores e autoras originais, mas esse formato tem a intenção de trazer aos seus pensamentos pessoas que eventualmente não teriam a mínima vontade ou disponibilidade de ler obras tão essenciais. Prometo, também, ao fim, uma bibliografia que satisfaça ao ânimo mais curioso e à autoria não citada nas entrelinhas.
Enfim.
Tenho para mim que o aumento da complexidade de uma sociedade é diretamente proporcional ao aumento dos conflitos possíveis. Não podemos negar que, com o crescimento exponencial das variadas formadas de interação entre as pessoas – e me refiro aqui ao desenvolvimento em especial de diversas modalidades novas de comunicação e produção –, aumenta a possibilidade de conflito e de uma “má relação” propriamente dita. Um grande pensador do direito – prometo buscar a referência correta desta frase a qual, sinceramente, está perdida em um livro enorme e de difícil leitura –uma vez afirmou, com boa dose de obviedade em sua observação, que só há antinomia (conflito entre normas) com a existência de pelo menos duas normas. Claro! Em um lugar onde há apenas uma regra, nada estaria em conflito com essa única lei colocada.
Creio que a afirmação pode ser colocada em termos parecidos quando vemos uma sociedade cada vez mais multifacetada em suas formas de produção. Vivemos hoje um cenário que nos remete a uma verdadeira explosão de criatividade. Momento histórico onde cada qual das pessoas, que por ventura estejam lendo esse texto, tem condições objetivas de construir coisas, soluções, desenvolver e expressar pensamentos e concepções que deixariam, e claramente deixam, na poeira tod@s @s grandes inventor@s, artistas, intelectuais, pensador@s e empreendedor@s que existiram pelo menos até a década de noventa.
Pensar que em um lugar onde os meios de produção e as possibilidades de variadas criações são escassas é pensar em um lugar onde os conflitos são evidentemente mais singelos. Não por outro motivo – e veja como a coisa toda do “criar leis” acontece – as diversas regras que tratam de resolução de conflitos – me refiro aqui às normas que organizam o resolver conflitos, não só pelo Estado, fique claro – foram sendo revisadas e atualizadas em etapas sucessivas ao sabor da complexificação das realidades sociais e econômicas. Da sociedade típica agrária, para a sociedade industrial, desta para a sociedade científica, da última para a sociedade da informação, todas sendo influenciadas pelo aumento das relações de consumo, da comunicação de massa ou, ainda, de grandes fluxos de capitais e mercadorias. A cada qual desses exemplos se relaciona uma nova modelagem de resolução de conflitos, de tentativa de adaptação do poder de “atermar” crises sociais – dentro das quais as crises individuais estão inclusas – ao cenário posto pelo aumento da complexidade.
Confesso que complexidade é uma palavra de difícil conceituação. Mas, na ausência de outra melhor, tomo a liberdade de escreve-la, assim, junto com uma carga de coisas negativas, para tentar deixar claro o que pretendo dizer aqui tenho uma outra carga respeitável de elementos que contribuem para o texto. Outra obviedade – que precisa ser ressaltada sob pena de me qualificarem como, no mínimo, superficial – é que o cenário do aumento da complexidade leva ao aumento de regras para convívio, trata-se de uma velha história do direito correndo atrás da sociedade, tentando sempre regular suas relações. A velha e triste afirmação de que o direito está sempre atrasado em relação ao desenvolvimento das relações sociais.
Evidentemente, essa explosão de criatividade e de complexificação das relações sociais leva a necessidade de convívio, digo, à necessidade de elaboração de planos de convívio entre o posto, ou seja, a estrutura e os elementos econômicos, jurídicos e sociais já instaurados na sociedade e as novas criações que, dia a dia, saltam de fontes cada vez mais inusitadas. Cito como um exemplo mais concreto o conflito quase belicoso entre os motoristas de táxi e as novas plataformas de oferta de serviços de transporte nos grandes centros urbanos.
Minha proposta aqui é justamente tratar sobre como o Direito pode se relacionar com essas crises sociais contemporâneas. Nessa proposta, coloco mais um desafio: tentarei, no mais das vezes, buscar exemplos e situações de limite da capacidade do Direito em lidar com essas crises, sendo o exemplo do transporte urbano apenas um dentre diversos que me veem à mente nesse momento. Buscarei sempre trazer uma perspectiva do inusitado nas relações sociais, com uma dose de interpretação jurídica possível, e, se impossível, mostrar onde se encontra essa impossibilidade.
Enfim.
A ideia é tratar do Direito com a mesma perspectiva de criatividade. Claro, uma vez que o direito está dentro dessa sociedade complexa por que não beneficiar com o implemento criativo que qualifica essa mesma sociedade? Tentar assim, dentro de uma perspectiva criativa do Direito, ao menos olhar com novas lentes a forma de se conviver em sociedade. Tentar pensar um direito em constante mutação se não em paralelo, mas cada vez mais alinhado cabeça a cabeça com os desdobramentos das relações sociais mais inusitadas e decorrentes da sociedade que ouso chamar de criativa.
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