Seja na produção de um espetáculo, na montagem de uma exposição ou na realização de um festival, a contratação de uma equipe especializada é essencial para o sucesso do projeto.
Do ponto de vista jurídico, formalizar esses acordos por meio de contratos é indispensável, mas, apesar de crucial, essa etapa costuma gerar muitas dúvidas. Afinal, qual é o tipo de contrato ideal para o meu projeto? Como definir as regras e a dinâmica do serviço de forma clara? É preciso incluir cláusulas tratando dos direitos autorais?
Neste artigo, reunimos os principais cuidados que instituições, produtores e agentes culturais devem ter na hora de contratar suas equipes, além de algumas dicas práticas para tornar esse processo mais simples e seguro.
O primeiro passo para a contratação da equipe é definir qual será o modelo de contratação mais adequado ao seu projeto ou instituição. São três os formatos mais utilizados, cada um com suas próprias vantagens, desvantagens e grau de recorrência:
- Contrato de emprego
Características: Estabelece um vínculo permanente e empregatício entre a contratante e o profissional contratado, sendo regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Garante ao contratado todos os direitos trabalhistas previstos na legislação: férias remuneradas, 13º salário, depósito mensal de FGTS, contribuição previdenciária, horas extras, adicionais legais e, em caso de rescisão, verbas rescisórias, como aviso prévio e multa de 40% do FGTS.
Vantagens: A principal vantagem é a estabilidade oferecida ao profissional contratado, o que pode favorecer a criação de vínculos de trabalho duradouros, em situações em que se deseja manter uma equipe fixa.
Desvantagens: A desvantagem desse modelo é o alto custo, pois, além do salário, os encargos trabalhistas podem encarecer significativamente a folha de pagamento. Como todos os encargos são calculados com base no salário, esse cenário se agrava em cargos com salários mais altos.
Recorrência: Mais comuns em museus e instituições de maior porte e bem estruturados, bem como em equipes com salários menores. Já em equipes temporárias ou projetos com orçamento restrito, esse tipo de contratação costuma ser menos viável.
- Contrato de prestação de serviços
Características: Sem vínculo empregatício, utilizada para contratações pontuais. A remuneração ocorre mediante a emissão de nota fiscal – o que significa que a responsabilidade pelo recolhimento do ISS é do contratado.
Vantagem: A principal vantagem deste modelo de contratação é a flexibilidade e a redução de encargos, pois é possível ajustar o escopo, prazo e valor conforme a necessidade de cada projeto, sem a rigidez e custos impostos pela CLT.
Desvantagem: Não garante ao prestador de serviços os direitos da CLT, como férias, 13º ou FGTS.
Recorrência: É o formato mais recorrente de contratação no setor cultural, sendo amplamente utilizado pois possibilita que as instituições e produtoras tenham custos mais baixos com as contratações, assim como dá flexibilidade ao contratado.
Embora o contrato de prestação de serviços seja amplamente utilizado no setor cultural, é importante destacar que se, na prática, a relação entre o prestador e a instituição apresentar as características de um emprego formal, há grande risco de que essa contratação seja reconhecida pela Justiça do Trabalho como vínculo empregatício. Nesse cenário, o contratante pode ser condenado a arcar com todas as verbas trabalhistas devidas, além de eventuais multas.
- Contrato de prestador autônomo
Características: Sem vínculo empregatício, utilizado em situações pontuais. A remuneração ocorre mediante a emissão de um Recibo de Pagamento Autônomo (RPA). Nesse caso, a responsabilidade pelo recolhimento de tributos – como INSS, IRRF e ISS – recai sobre o contratante.
Vantagem: A principal vantagem é permitir a contratação de profissionais que não possuem empresa ou MEI e, portanto, não conseguem emitir nota fiscal. É uma solução que evita pagamentos “por fora” sem registro.
Desvantagem: O RPA implica maior carga tributária para o contratante, além de burocracia extra no processo de cálculo e recolhimento.
Recorrência: Pouco utilizada no setor cultural, sendo aplicada apenas em casos excepcionais, especialmente quando o profissional não pode emitir nota fiscal.
Então, é necessário avaliar caso a caso a estrutura e objetivos do projeto ou instituição para escolher a forma de contratação mais adequada e vantajosa para a sua equipe.
O passo seguinte é a elaboração de um contrato. Esse documento é o instrumento jurídico que registra a vontade das partes e deve refletir, de forma precisa, tudo o que foi acordado entre você e o profissional.
Além de formalizar a vontade das partes, o contrato se torna ainda mais relevante quando os serviços envolvem a criação de obras protegidas por direitos autorais – como fotografias, registros audiovisuais, textos, projetos de design gráfico e obras de arte. Isso porque a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) estabelece, em seu artigo 4º, que negócios jurídicos envolvendo direitos autorais devem ser interpretados de forma restritiva. Em outras palavras: se determinada condição não estiver expressamente prevista no contrato, presume-se que não houve acordo quanto a ela.
Vale lembrar que a antiga Lei de Direitos Autorais (Lei nº 5.988/73) previa no artigo 36 que, nos casos de contratos de trabalho ou de prestação de serviços, os direitos sobre as obras produzidas pertenciam igualmente ao contratante e ao contratado, exceto se as partes combinassem de forma diferente. A legislação atual não traz nenhuma regra específica sobre a quem pertencerão os direitos da obra resultante do serviço, o que reforça a necessidade de que os contratos definam de forma clara e expressa essa titularidade.
Assim, se os detalhes negociados entre as partes não forem registrados no contrato, caberá à lei estabelecer como funcionará a relação, o que pode ser prejudicial, já que isso nem sempre corresponderá à intenção dos envolvidos.
Para garantir segurança e transparência na relação entre o contratante e o profissional – e, principalmente, a fim de evitar conflitos futuros – é indispensável que os contratos de equipe sejam detalhados e completos. O documento deve reunir todas as informações essenciais da contratação. Para orientar esse processo no caso de prestação de serviços, preparamos o checklist a seguir:
Definir quem é o contratante e o contratado
Defina e qualifique as partes envolvidas na contratação. É importante definir quem será o responsável pela contratação e pagamentos, e quem será o responsável pela prestação do serviço e demais obrigações.
Funções e entregas bem definidas
Descreva de forma clara o papel do profissional e as entregas esperadas (tais como quantidade de fotos, número de revisões de um texto, prazo de entrega do material). Além disso, quanto mais objetivo, menor o risco de interpretações divergentes, por isso recomendamos utilizar uma linguagem acessível e clara durante todo o contrato.
Valores e condições de pagamento
Estabeleça o valor da remuneração, qual será a forma de pagamento (ex.: depósito em conta bancária), prazos ou parcelas de pagamento (ex.: 50% na assinatura e 50% na entrega) e eventuais reembolsos de despesas. Isso dá previsibilidade e evita conflitos financeiros.
Cláusulas de rescisão do contrato
Preveja em quais situações o contrato pode ser encerrado antes do prazo (ex.: liberalidade das partes, descumprimento das obrigações, caso fortuito ou força maior) e como se dará a remuneração nesses casos. Também é possível prever multas em caso de rescisão ou descumprimento contratual.
Direitos autorais
Nem todo contrato precisa tratar de direitos autorais. Isso ocorre porque existem serviços de natureza técnica, que não envolvem a criação de obras protegidas, como montagem de palco, operação de luz ou transporte. Já quando o trabalho é criativo – como no caso de curadores, arquitetos, artistas, fotógrafos, designers e pesquisadores –, é indispensável incluir cláusulas específicas sobre direitos autorais.
Nesses contratos, é fundamental deixar claro que o contratante está autorizado a usar as obras criadas. Essa autorização pode ocorrer de duas formas: por meio de uma licença ou de uma cessão de direitos autorais. A licença é uma permissão de uso para finalidades específicas, enquanto a cessão é a transferência de titularidade dos direitos patrimoniais de autor, fazendo com que a contratante se torne a “dona” dos materiais criados, decidindo livremente sobre sua utilização.
É comum que instituições e produtoras culturais optem por incluir cláusulas de cessão de direitos autorais nos contratos com sua equipe. Isso porque, ao ceder os direitos, a obra passa de forma permanente ao contratante, eliminando dúvidas sobre a abrangência da autorização de uso ou a necessidade de renovação futura. Na prática, também é frequente que o valor pago pelo serviço já contemple o uso integral dos materiais criados.
Em ambos os casos, é essencial definir com precisão o alcance da licença ou cessão, indicando prazo de validade, território e usos autorizados. Esses detalhes evitam discussões sobre a utilização futura das obras criadas.
Direitos de personalidade
É recomendado incluir autorizações de uso de direitos de personalidade, como nome, voz e imagem do contratado, especialmente em projetos culturais em que o profissional contratado apareça em materiais de divulgação, registros fotográficos ou audiovisuais.
Compliance
Inclua cláusulas que reforcem o compromisso com boas práticas e políticas da instituição ou projeto. Se houver, estabeleça como obrigações do contratado conhecer e respeitar o código de ética da empresa. Também é interessante incluir cláusulas de confidencialidade, a fim de proteger as informações sensíveis compartilhadas durante o contrato.
Proteção e tratamento de dados
Determine como os dados pessoais serão coletados, tratados, armazenados, utilizados e protegidos durante o contrato. É importante seguir os parâmetros definidos pela Lei Geral de Proteção de Dados.
Assinatura digital
Se os contratos forem assinados de forma digital, inclua uma cláusula informando que as partes estão de acordo e reconhecem a validade da assinatura digital.
Em seguida, é preciso negociar o documento elaborado com o profissional contratado e assiná-lo. Uma boa prática para facilitar esse processo é formalizar desde o início todos os detalhes da contratação, mesmo antes da assinatura do contrato. Registre em e-mails ou mensagens informações como escopo do trabalho, prazos, valores e condições de entrega. Ainda, quando se tratar de um prestador de serviços criativos, é fundamental negociar desde o início se o valor combinado para o pagamento já inclui a cessão ou licença de direitos autorais sobre a obra produzida. Isso ajuda a alinhar expectativas e evita surpresas ou conflitos no futuro, garantindo que ambas as partes saibam exatamente quais são seus direitos e obrigações.
Recomendamos que os contratos sejam assinados antes do início das atividades, sobretudo nos casos de longa duração, de criação intelectual protegida por direitos autorais, de remuneração elevada ou que envolvam maior complexidade e riscos para o contratante.
Por fim, é essencial arquivar os contratos assinados e manter os registros da contratação de equipe sempre atualizados e completos.
Adotar esses cuidados ajuda a fortalecer a relação de confiança entre as partes. Para estruturar e elaborar contratos de equipe de forma segura, é recomendado contar com o apoio de um profissional jurídico especializado.
Foto de Leiada Krözjhen na Unsplash