A trilha sonora de filmes e séries costuma ter duas origens.
De um lado, a produtora audiovisual pode licenciar músicas e gravações (fonogramas) já existentes com os respectivos titulares de direitos. É o caso de colocar, por exemplo, “All my loving” dos Beatles, em uma cena romântica. Esse uso é chamado no mercado de sincronização. Obviamente, a produtora não vira a “proprietária” da música ou do fonograma, ganhando apenas uma autorização (licença) para colocar aquele material em seu filme ou série.
Além disso, a produtora também pode encomendar a criação de materiais originais e personalizados para o seu projeto. Isso é comum com aquelas músicas instrumentais (incidentais) que ajudam a dar todo o clima da cena. Nesse caso, a produtora contrata esse serviço de composição e gravação com um maestro, músico, estúdio etc. Normalmente, ela negocia também a cessão (transferência) dos direitos autorais e conexos sobre as músicas e fonogramas criados. Em outras palavras, vira a “proprietária” das entregas. Já fizemos um outro artigo sobre o tema (neste link).
Em qualquer dos casos, já presenciei dúvidas envolvendo a obrigatoriedade ou não da produtora audiovisual fazer o registro do ISRC. Vamos explicar melhor…
O ISRC (International Standard Recording Code ou Código de Gravação Padrão Internacional) é um código que identifica uma determinada gravação musical (fonograma). Ao se fazer o registro, o responsável indica quem são os titulares de direitos e envolvidos na gravação.
Assim, quando há a execução pública da gravação (inclusive a exibição do filme/série com a trilha sonora), o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que faz o recolhimento da respectiva remuneração e repasse aos titulares de direitos autorais e conexos, pode identificar quem deverão ser os beneficiários.
Ocorre que não há obrigação legal da produtora para registro do ISRC. Vamos imaginar duas situações para o assunto ficar mais concreto.
Imaginem que uma produtora audiovisual quer fazer uma versão de “Coração de Estudantes”, composta por Milton Nascimento e Wagner Tiso, com os atores do filme cantando ao vivo na cena ou mesmo em estúdio posteriormente. Para obter essa liberação, a produtora irá negociar com as respectivas editoras que representam os músicos a parte do direito autoral sobre a composição. A gravação musical vai ser usada apenas no filme e a produtora não tem interesse em lançar o fonograma como um produto autônomo. Por esse motivo, a produtora sequer negociou com as editoras musicais a gravação de um fonograma em si. Nesse contexto, a produtora não vai (e nem pode) registrar o ISRC.
Imaginemos agora uma outra hipótese, na qual a produtora audiovisual encomenda a trilha sonora com um estúdio, inclusive com a cessão dos direitos da composição e dos respectivos fonogramas. Assim, a produtora será a nova titular de direitos dessas entregas e ela vai tomar a decisão se irá ou não fazer o registro do ISRC. Quando for lançar o filme/série, a produtora até vai informar quais são as músicas/gravações que fazem parte da trilha ao ECAD (cue sheet). Se ela não optar pelo registro do ISRC, somente os compositores irão receber a execução pública, sem participação dos intérpretes. Porém, isso não configura violação de direitos, uma vez que o ISRC é uma prerrogativa da produtora – sobretudo no caso em que há cessão total de direitos de todos os envolvidos.
Assim sendo, é importante que as partes tenham dimensão clara dessa questão quando forem negociar o contrato, conforme caso a caso.
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