Quem atua no mercado audiovisual já deve ter visto o prazo de 10 anos de exclusividade em contratos para regular os direitos de adaptação sobre um material literário para um filme, uma série, etc. Em outras palavras, o autor do livro que será adaptado não poderia conceder os mesmos direitos de adaptação para outras produtoras pelo período mencionado.
Neste texto queremos debater um pouco a origem desse prazo e algumas reflexões sobre a aplicação dessa regra no setor audiovisual.
A origem do prazo em questão vem da Lei de Direitos Autorais (Lei n.º 9.610/98), que realmente prevê o seguinte:
“Art. 81. A autorização do autor e do intérprete de obra literária, artística ou científica para produção audiovisual implica, salvo disposição em contrário, consentimento para sua utilização econômica. […] § 1º A exclusividade da autorização depende de cláusula expressa e cessa dez anos após a celebração do contrato.“
O primeiro ponto importante da leitura desse dispositivo é que a exclusividade não é presumida, ou seja, depende de cláusula expressa. Ora, a exclusividade é um elemento importante para a produtora pois assegura que o mesmo ativo não será negociado com concorrentes, dificultando assim a captação de recursos para o financiamento da obra audiovisual e a respectiva futura amortização de investimentos.
O segundo ponto relevante é justamente o prazo legal de 10 anos. Porém, note-se que o texto legal diz que tal período se refere à “autorização” para produção audiovisual. Nesse caso, entendemos que se trata dos casos de licença de direitos patrimoniais de autor, quando o autor apenas concede uma autorização para certo fim específico. De acordo com nossa leitura, as partes poderiam negociar também a “cessão dos direitos de adaptação” para o audiovisual, ou seja, a transferência de parte dos direitos do autor, sem esbarrar nesse teto de 10 anos. Assim, o prazo da cessão poderia ser pelo prazo máximo de proteção legal.
Com efeito, na prática, é muito comum que o setor audiovisual adote contratos que prevejam a cessão dos direitos de adaptação (ao invés do licenciamento). Isso é compreensível se pensarmos na questão da segurança jurídica da produtora. A rigor, o prazo de 10 anos poderia ser considerado pequeno se levarmos em consideração a vida útil de uma obra audiovisual no Brasil, imaginando-se 3 anos para captação de recursos e desenvolvimento, 2 anos de produção e pós, e apenas 5 anos de exploração.
Outro ponto complexo nesse texto da Lei de Direitos Autorais é o regime jurídico das derivações. Imagine-se que a produtora irá produzir uma série e que esta é efetivamente realizada e explorada dentro do período dos 10 anos. Contudo, como ficam as novas temporadas? Elas não estariam abarcadas pela exclusividade? As Partes deveriam assinar novos contratos ou novos aditivos? Esse tipo de dúvida também induz o mercado a seguir pelo caminho da cessão de direitos, menos restritiva à produtora.
Esse é um dos temas poucos debatidos nas propostas de reforma da Lei de Direitos Autorais, mas que mereceria sim uma revisão, considerando as mudanças econômicas, culturais, tecnológicas e sociais dos últimos anos.
Foto de Jovaughn Stephens na Unsplash