A expressão “capital social” foi cunhada por Thorstein Veblen, em 1899, para “designar o conjunto de atributos específicos daquilo que chamava de ‘a classe ociososa’ que dominava a sociedade estadounidente.” [1] No entanto, foi apenas com a obra Making Democracy Works, publicada em 1993 por Robert Putnam, que o conceito ganhou notoriedade na agenda de pesquisa econômica, social e política da atualidade. No trabalho, o autor procurou entender porque instituições políticas “idênticas” tinham desempenhos tão diferentes em cada província da Itália.
O capital social é então apresentado como um fator de cooperação e confiança entre os indivíduos, que favorecia o bom funcionamento institucional. Segundo Putnam “o capital social diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” [2]
Via de regra, associa-se o capital social aos laços de confiança, tolerância e empatia entre os membros de uma sociedade. [3] Na síntese de Paul Adler e Seok-Woo Kwon, diz-se ser capital por cinco motivos. Em primeiro lugar, é um ativo que pode receber investimentos com expectativa de benefícios no futuro. Em segundo, consegue ser apropriado e convertido em outras formas de capital. Em terceiro, representa um substituto ou complemento para a falta de outros recursos. Por exemplo, um baixo capital humano (quantidade de indivíduos) pode ser compensado por laços mais fortes entre os membros desse mesmo capital. Em quarto lugar, assim como formas de capital, o social precisa ser periodicamente renovado e preservado para manter seu valor e eficácia. Finalmente, tal como o “ar puro” e “ruas seguras”, algumas formas de capital social são bens coletivos, pois não podem ser apropriados individualmente. [4]
Na literatura especializada, argumenta-se que o investimento no capital social pode gerar os mais diferentes tipos de benefícios, tais como: a melhoria no acesso e fluxo de informações, uma maior facilidade de os trabalhadores encontrarem empregos, o aumento da coesão e controle de agentes que desempenham papéis importantes em tomadas de decisão, além da melhoria das relações de identidade e reconhecimento e nos níveis de solidariedade entre os indivíduos. [5]
Apesar de terem alcançado certa popularidade, teorias envolvendo o capital social são alvo de diversas críticas, especialmente, em razão da elasticidade do conceito e da dificuldade de mensurá-lo. [6]
Não obstante, as teorias sobre o capital social ajudaram a reaproximar a cultura dos especialistas do desenvolvimento, das mais diferentes vertentes. Para Francis Fukuyama, por exemplo, o capital social, enquanto norma informal que promove a cooperação entre dois ou mais indivíduos, é um elemento cultural importante no funcionamento eficiente das economias contemporâneas. [7] Em sua visão, a função do capital social é reduzir os custos de transação associados com mecanismos formais de coordenação como contratos, hierarquias e regras burocráticas. [8] Em outras palavras, determinadas formas de capital social podem gerar estruturas mais ou menos eficientes do ponto de vista econômico. [9]
A cultura, enquanto complexo de crenças, costumes, hábitos e referenciais simbólicos que dão identidade a um determinado grupo, tocam diretamente esse conjunto de normais informais partilhadas por membros de um grupo:
“O estabelecimento de normas cooperativas geralmente pressupõe a existência de um conjunto de normas prévias, observadas em comum pelos indivíduos do grupo. Uma cultura fornece um vocabulário comum não só de palavras mas de gestos, expressões faciais e hábitos pessoais que servem como sinais de intenção. A cultura ajuda as pessoas a distinguir os que cooperam dos que trapaceiam, assim como ajuda a transmitir regras de comportamento que tornam mais previsível a ação dentro da comunidade. As pessoas são muito mais inclinadas a exigir a punição de quem viola as regras de sua própria cultura do que as regras de outra cultura. Inversamente, novas normas de cooperação surgem com mais dificuldade entre fronteiras culturais.” [10]
Se a promoção do desenvolvimento exige um certo grau de coesão e comprometimento da população ou, no mínimo, dos dirigentes e da burocracia responsável pela implementação do “projeto”, é evidente que a quantidade ou o “nível” do capital social será importante. Porém, reservamos certo ceticismo sobre a possibilidade de instrumentalização controlada do capital social. [11]
[1] HERMET, Guy. Cultura & Desenvolvimento. Op. Cit., p.101.
[2] PUTNAM, Robert Apud REIS, Bruno Pinheiro. Capital Social e Confiança: Questão de Teoria e Método. In: Revista Sociologia Política. Curitiba, 21, p. 35, nov. 2003.
[3] Cf. ADLER, Paul, KWON, Seok-Woo. Social Capital: Prospects for a New Concept. In: The Academy of Management Review. Vol. 27, No. 1, Janeiro de 2002, p. 20.
[4] Cf. ADLER, Paul, KWON, Seok-Woo. Social Capital: Prospects for a New Concept. In: The Academy of Management Review. Op. Cit., p. 22.
[5] Cf. ADLER, Paul, KWON, Seok-Woo. Social Capital: Prospects for a New Concept. In: The Academy of Management Review. Op. Cit., p. 29. Cf. LIN, Nan. Building a Network Theory of Social Capital. 1999. Disponível em: http://www.insna.org/PDF/Keynote/1999.pdf. Acesso realizado em 5 de julho de 2015.
[6] “It is not obvious, however, that we gain more than we lose by gathering all these various phenomena under an ‘umbrella concept’ (Hirsch & Levin, 1999) of social capital. Such a move risks conflating disparate processes and their distinct antecedents and consequences. More fundamental, it is inevitable that an object of research encompassing as much as this should attract researchers from heterogeneous theoretical perspectives. Skeptics have therefore characterized the social capital concept as ‘a wonderfully elastic term’ (Lappe & Du Bois, 1997: 119), a notion that means ‘many things to many people’ (Narayan & Pritchett, 1997: 2) and that has taken on “a circus-tent quality” (De Souza Briggs, 1997: 111)” ADLER, Paul, KWON, Seok-Woo. Social Capital: Prospects for a New Concept. In: The Academy of Management Review. Op. Cit., p. 18.
[7] Cf. FUKUYAMA, Francis. Social Capital and Civil Society. International Monetary Fund, 2000. p. 3. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2000/wp0074.pdf. Acesso realizado em 5 de julho de 2015.
[8] Cf. FUKUYAMA, Francis Social Capital and Civil Society. Op. Cit., p. 8.
[9] “Virtually all forms of traditional culture – social groups like tribes, clans, village associations, religious sects, and the like – are based on shared norms, which they use to achieve cooperative ends. The literature on development has not, as a general rule, found social capital in this form to be an asset; it is much more typically regarded as a liability. Economic modernization was seen as antithetical to traditional culture and social organizations, and would either wipe them away or else be itself blocked by forces of tradicionalism. Why should this be so, if social capital is genuinely a form of capital? The reason, in my view, has to do with the fact that such groups have a narrow radius of trust. In-group solidarity reduces the ability of group members to cooperate with outsiders, and often impose negative externalities on the latter. For example, in the Chinese parts of East Asia and much of Latin America, social capital resides largely in families and a rather arrow circle of personal friends (Fukuyama 1999). It is difficult for people to trust those outside of these narrow circles. Strangers fall into a different category than kin. A lower standard of moral behavior applies when one becomes, for example, a public official. This provides cultural reinforcement for corruption: in such societies, one feels entitled to steal on behalf of one`s family. Traditional social groups are also afflicted with an absence of what Mark Granovetter (1973) call ‘weak ties’, that is, heterodox individuals at the periphery of the society`s various social networks who are able to move between groups and thereby become bearers of new ideas and information. Traditional societies are often sgmentary; thar is, they are composed of a large number of identical, self-contained social units like villages or tribes. Modern societies, by contrast, consist of a large number of overlapping social groups that permit multiple memberships and identities. Traditional societies have fewer opportunities for weak ties among the segments that make it up, and therefore pass on information, innovation, and human ressorces less easily.” FUKUYAMA, Francis. Social Capital and Civil Society. Op. Cit., p. 4-5.
[10] FUKUYAMA, Francis. Capital Social. In: HARRISON, Lawrence. HUNTINGTON, Samuel (orgs.). A Cultura Importa. Tradução de Berilo Vargas. Rio de Janeiro: São Paulo: Record, 2002. p. 169.
[11] “Embora capital social e sociedade civil sejam amplamente louvados como coisas desejáveis, é importante notar que nem sempre são benéficos. A coordenação é necessária em todas as atividades sociais, sejam elas boas ou más. A Máfia e a Ku Klux Klan são partes constitutivas da sociedade civil americana; ambas têm capital social, e ambas são prejudiciais à saúde da sociedade. Na vida econômica, a coordenação de grupo é necessária para uma forma de produção, mas quando a tecnologia ou os mercados mudam, uma espécie diferente de coordenação, talvez com um conjunto diferente de membros, se torna necessária. Os laços de reciprocidade que facilitam a produção em um período anterior tornam-se obstáculos à produção em um período posterior, como é o caso de muitas empresas japonesas nos anos 90. Prosseguindo com a metáfora econômica, o capital social nesse ponto pode ser considerado obsoleto, e precisa ser depreciado nas contas de capital da sociedade.” FUKUYAMA, Francis. Capital Social. In: HARRISON, Lawrence. HUNTINGTON, Samuel (orgs.). A Cultura Importa. Op. Cit., p. 157.
Foto por Peter Hershey. In: Unshplash.