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Entrevista com Pedro Zambon da ABRAGAMES

A entrevista a seguir foi realizada dia 6 de março de 2020 com Pedro Zambon, Consultor de Inteligência de Mercado e Políticas Públicas da Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos – Abragames. Agradecemos a participação nesse importante debate de construção de uma pauta para a política setorial.

 

1 – O mercado de games no mundo está aquecido? E no Brasil?
Sim. É um mercado muito aquecido. Em 2012, estima-se que tenha movimentado 70 bilhões de dólares no mundo. Em 2019, essa cifra passou para 148 bilhões. Ou seja, em quase oito anos mais do que dobrou. Há estimativas que falam de um crescimento médio de aproximadamente 8% ao ano. Vale lembrar que esse bom desempenho se deu mesmo em momentos de queda no restante da economia. Um dos fatores que ajudou a impulsionar o setor foi o mercado de mobile, que já representa 50% do faturamento do mercado. O segmento dos celulares permitiu a atração de muitos jogadores casuais e, ao mesmo tempo, facilitou a entrada de novos desenvolvedores, que puderam colocar seus produtos nas lojas virtuais.

O relatório da PWC fala que foi o setor do entretenimento que mais cresceu.

No Brasil, a taxa de crescimento do setor é até maior que média mundial. Proporcionalmente à população ainda se gasta pouco, mas em números absolutos é expressivo. Normalmente, o país empata com o México em maior da América Latina. Nos últimos anos, há um fortalecimento na indústria nacional. Constatou-se um crescimento de 657% no número de empresas entre 2008 e 2018. É possível que esse dado seja até maior pois atualmente não há um CNAE próprio para desenvolvedores de jogos, que utilizam o mesmo código de software, o que dificulta o mapeamento. Além disso, há muitos desenvolvedores que ainda estão informais, ou seja, sem um CNPJ próprio. O Brasil também está se destacando no cenário internacional: há jogos premiados, profissionais reconhecidos e até uma empresa que se tornou um dos primeiros unicórnio. Não há dúvida de que o Brasil está entre os polos emergentes no setor, mas ainda falta no ecossistema alguns agentesimportantes para que seja sustentável.

 

2 – Quais são os principais agentes do mercado de games?

Existem as fabricantes de hardware, fabricantes de dispositivos móveis, fabricantes de consoles. Normalmente, nesse último segmento, os fabricantes de console ditam o padrão de como a indústria vai produzir. Elas têm um grande poder de direcionamento da produção. Existem também aqueles que criam as ferramentas para os desenvolvedores. Esse ponto da cadeia também é muito importante pois influencia diretamente o produto final.

Os desenvolvedores, por sua vez, são os estúdios responsáveis pelo jogo, pelo conteúdo. São formados por programadores, ilustradores, designers, músicos e outros criativos.

A publisher ou editor é o responsável pelo lançamento do jogo. Nem sempre será obrigatória a presença de um agente para distribuir. No entanto, ele é importante pois tem poder econômico para participar do financiamento e da promoção. Além disso, também tem inteligência de mercado para ampliar a capacidade e alcance da distribuição. Esse é um agente que ainda falta no Brasil.

Existe ainda o distribuidor, que pode ser tanto o varejista, que vai fazer a impressão, produção das caixas etc.; como as lojas virtuais, como a steam; e ainda os provedores e serviços, quando falamos de jogos online.

Por fim, devemos citar os consumidores, que têm papéis ativo no mercado. Atualmente, consumidores também participam do processo de financiamento, com o crowdfunding, influenciam no direcionamento dos jogos a partir de seu engajamento, além de produzirem conteúdo, especialmente com canais de streaming.

O mercado tem vários agentes, com seus respectivos papéis e cada segmento tem uma lógica de funcionamento distinta. O mercado de jogos mobile é diferente de pc, que é diferente dos jogos online. Logo, é difícil tratar a indústria de games como algo homogêneo. O modelo de negócio pauta muito o conteúdo e maneira como é distribuído e consumido.

 

3 – Qual o perfil dos desenvolvedores de games no Brasil? (porte, localização etc.)

De acordo com o censo de 2018, há uma concentração geográfica no eixo Sul-Sudeste. O principal polo é São Paulo, com 118 empresas. O Rio de Janeiro tem 40 empresas. É preciso fazer uma observação metodológica de que esse mapeamento foi feito com base em pesquisa direta com os potenciais desenvolvedores. Ou seja, dependia do grau de engajamento e respostas dadas. Logo,essa concentração também pode ter a ver com o acesso ao conhecimento do mapeamento em si.

Um ponto importante é que os desenvolvedores não trabalham apenas com games: 25% trabalham com animação, 31% desenvolvem softwares de outra natureza, 9% trabalham com audiovisual em geral e 22% trabalham com serviços educacionais.

Além disso, 61% das empresas formalizadas faturam até o teto do MEI. Isso não significa que ela sempre fatura a patamares baixos. Afinal,neste setor, você pode ter ciclos de desenvolvimento e que não representarão faturamento. 80% das empresas faturam até o teto da ME. Logo, a maior parte da indústria é de empresas pequenas. Sabemos também que grande parte do faturamento está concentrada nas 20% empresas mais estruturadas, com jogos complexos e com capacidade internacional.

São empresas majoritariamente jovens: 37% tem até 2 anos. Só 10% tem mais de 15 anos de funcionamento. 90% da indústria é do começo dos anos 2000.

Cerca de 59% delas estão desenvolvendo para mobiles, enquanto 51% estão distribuindo para PC e apenas 15% estão distribuindo para consoles.

Em metade das empresas, a fonte de financiamento é de recursos próprios, ou seja, da própria empresa, ou ainda, de amigos e/ou família. Isso representa uma limitação e um risco para atividade. Afinal, não há total certeza sobre o resultado. Como o risco é alto, elas tendem a ser mais conservadoras e menos inovadoras. Além disso, com menos recursos, o desenvolvimento tende a ser mais modesto.

 

4 – Existem políticas públicas no Brasil para desenvolvimento desse setor?

Existem políticas públicas, ao menos, desde 2004. Tivemos um ciclo entre 2004 a 2010, dentro do Ministério da Cultura, com alguns editais de fomento. Os programas começaram a se intensificar a partir de 2011, quando teve um workshop importante no setor e vários players começaram a se organizar. Em 2013, surgiu o programa de exportação da Apex e do Ministério, com parceria com a ABRAGAMES e que tem dado resultado. O BNDES também passou a fazer aportes. Em meados da última década começaram a ter editais para editais para o desenvolvimento de jogos. A principal política é da ANCINE que, por meio da linha PRODAV 14, faz investimentos mais robustos para o desenvolvimento de jogos – com investimentos mais robustos. Bom lembrar que existem algumas políticas públicas de nível regional e local.

 

5 – Qual(is) é(são) a(s) demanda(s) comum(ns) dos desenvolvedores em termos de políticas públicas?

São muitas demandas, mas acho que vale elencar dois pontos principais.

O primeiro é o acesso ao financiamento, que é um ponto sensível em toda economia criativa. É muito importante ter o acesso ao primeiro aporte para quebrar o círculo vicioso de fazer pequenos produtos, para gerar pequeno faturamento, para gerar outros pequenos produtos. É preciso de uma injeção de recursos, se possível não reembolsáveis, para sair do ciclo e dar uma sustentabilidade ao setor. Ou seja, necessitamos de um ciclo de fomento real para expandir o polo produtor para produções mais ambiciosas, que também vai gerar conhecimento adquirido para as empresas. A injeção de recursos induz, inclusive, à uma formalização e estruturação da empresa, que precisa ganhar maturidade para gerir o próprio recurso. Adicionalmente, há uma demanda de capacitação, que não é necessariamente técnica. Em termos artísticos e técnicos não estamos tão atrás do nível mundial. Porém, conhecimentos paralelos ligados à administração e gestão poderiam ser melhores. O que as empresas conhecem em termos administrativos e negociais é na base da tentativa e erro e conversa com os seus pares. Isso é importante pois não basta dar o dinheiro. Por vezes vezes, 50 mil de uma publisher vale mais que 200 mil do investidor, pois ela também fará um aporte de inteligência e conhecimento importante ao desenvolvedor.

Em segundo lugar, o desenvolvedor também precisa de acesso aos mercados internacionais. Por isso o programa da Apex é importante, pois abre essa conexão do desenvolvedor nacional com o mercado global. Na indústria de jogos, mais que outras criativas, isso é essencial, pois não existe mercado nacional de consumo que possa sustentar toda a cadeia. Toda cadeia produtiva no mercado de games é essencialmente global.

 

6 – Existe no setor a percepção de que falta alguma regulação ou que alguma norma deva ser alterada?

Sim. Uma das coisas que o setor carece é o reconhecimento como atividade econômica particular. A atividade de produção de jogos digitais é tratada como qualquer outro software. Porém, a estrutura produtiva, o mercado e toda cadeia é totalmente diferente. Poderia até ser uma subcategoria de CNAE, mas é preciso haver a distinção. Essa falta impede políticas específicas como isenções, editais e outras. Esse é um dos aspectos que poderia ser alterado.

Outra coisa é a criação ou consolidação de instrumentos com peso de lei para fomento a jogos. Hoje, o acesso a recursos se dá a partir de uma interpretação infra-legal de que games são produtos audiovisuais. Ou seja, seria importante pensar em alteração na lei do audiovisual para contemplar o setor e assim diversificar as fontes de recursos para o desenvolvimento.

Infelizmente, hoje em dia não existe uma força política para movimentar uma regulação própria ao setor de games. O que se busca é um avanço incremental, de modo a fomentar o ciclo de desenvolvimento do setor de games. Uma experiência semelhante com o audiovisual no Brasil.

 

7 – Outros países no mundo investem no setor? Poderia dar um exemplo?

Não existe país no mundo que desenvolveu sua indústria de jogos que não utilizaram políticas públicas. França, Finlândia, China, Coréia do Sul, Canadá são exemplos de países com políticas. Canadá se tornou o terceiro maior produtor do mundo com uma política anual de financiamento de 350 milhões de dólares, que mistura recursos não reembolsáveis com financiamento via créditos fiscais. Aliás, o Canadá é um dos países que acaba atraindo empresas brasileiras, interessadas em tais políticas e em uma estrutura burocrática e fiscal mais amigável.

A Finlândia é um outro exemplo interessante. Eles aplicaram 70 milhões de euros durante 10 anos para fomento e empréstimos. De 2004 a 2014, o faturamento da indústria subiu de 40 milhões de euros para 1,4 bilhões de euros. Havia uma visão de que era preciso substituir o setor de celulares que estava em crise. A aquisição mais cara do mundo de uma empresa de game foi a compra de uma empresa finlandesa por uma chinesa. O que o governo finlandês já investiu retornou mais de 20 vezes em retorno tributário. Aliás, sobre esse tema, na França, identificou-se que a cada euro investido público, há um retorno de 1,2 na forma de impostos e 2 vezes mais em investimentos privados. Existem casos globais emblemáticos sobre como políticas públicas são essenciais e dão efeito. A Alemanha anunciou ano passado 50 milhões de euros para produção de jogos.

O Brasil tem potencial. No ano passado, desenvolvedores brasileiros participaram do game awards no melhor jogo independente. O jogo Dandara foi citado na lista da Times como um dos melhores de 2018.  Horizon Chase é outro jogo nacional que ganhou bastante destaque no cenário internacional recente. Temos destaque e potencial. Aqui é um polo possível. Mas precisamos discutir uma política consistente de estruturação e fomento ao setor.

 

Photo by Florian Olivo on Unsplash

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