A entrevista a seguir foi realizada dia 5 de março de 2020 com Ivan da Silva Sendin, professor e diretor presidente da Associação de Desenvolvedores de Jogos Digitais do Rio Grande do Sul. Agradecemos a participação nesse importante debate de construção de uma pauta para a política setorial.
1 – O mercado de games no mundo está aquecido? E no Brasil?
Sim. É um mercado bastante aquecido, crescendo mais e mais a cada ano. Há estimativas que indicam que o setor já passou a indústria fonográfica e audiovisual juntas. De acordo com a Newzoo, o mercado de games cresceu em torno de 30% em 2018. Isso se deve a diversos fatores, tais como aumento do número de gamers em celulares e aumento do uso de metodologias de gamifiação. O setor no Brasil existe há anos, mas começa a ganhar corpo e amadurecer a partir de 2008. É claro que existe diferença de regiões para regiões. Mas agora as empresas estão aprendendo a saber vender e entender que é um negócio, ou seja, precisa ter a parte administrativa, marketing, jurídica etc. Existiam muitos agentes que entravam no mercado pelo amor, mas esquecendo que é um produto. Com as associações participando e se organizando, ajuda a amadurecer mais rápido. É preciso entender que não é só para se divertir, mas é um produto que irá fazer sentido no mercado. Vale dizer que a qualidade da produção nacional já é reconhecida internacionalmente,
2 – Quais são os principais agentes do mercado de games?
Em primeiro lugar, precisamos esclarecer que o mercado de PC, mobile e console são totalmente diferentes, seja na produção, distribuição, gargalos, virtudes e forma de consumo. Mas de maneira geral, podemos dizer que temos as universidades e centros de formação; desenvolvedoras de jogos; a publisher ou editora; e as distribuidoras ou plataformas. A publisher tem uma função muito importante nesse processo pois pode ajudar no financiamento, cuidar de testes, dar opiniões de game design e gameplay, além de publicar o jogo em si e lançá-lo com ações de marketing. Como contrapartida, a publisher tem uma participação nos rendimentos da exploração do jogo. Essa porcentagem e a forma de amortização variam de acordo com o quanto ela investe. Pode começar com até 100% e cair para 40% ou 50%, normalmente.
3 – Qual o perfil dos desenvolvedores de games no Brasil?
A característica principal é que o desenvolvedor ama o que ele faz. Porém, alguns outros tópicos importantes como administração e comercial vão sendo aprendidos no meio do caminho. Normalmente, as empresas são formadas por pessoas de design, ilustradores e programadores que se juntam, mas nem sempre tem um administrador-financeiro. Grande parte das empresas são de pequeno porte e estão organizadas como Microempreendedor Individual (MEI), em razão das facilidades burocráticas e tributárias. É preciso entender que poucas empresas com até 3 anos já possuem uma estrutura de porte. É comum que esse grupo até preste serviços de desenvolvimento para aquelas mais estruturas.
4 – Existem políticas públicas no Brasil para desenvolvimento desse setor?
O Brasil já teve algumas iniciativas de editais de fomento (ANCINE, SP Cine, editais de outros estados). Há um programa da Apex e SEBRAE que é importante para ajudar na exportação e promoção dos jogos nacionais no exterior. Porém, não há uma política estrutura que pensa o mercado como um todo, em suas especificidades e peculiaridades.
5 – Qual(is) é(são) a(s) demanda(s) comum(ns) dos desenvolvedores em termos de políticas públicas?
Uma demanda importante é atribuição de um CNAE específico para games. Essa é uma discussão que está evoluindo aos poucos regionalmente. Isso poderia ajudar a mapear o setor com mais precisão, garantir o desenvolvimento de políticas específicas e até manejar incentivos fiscais para a cadeia. Um outro movimento que seria importante é incluir o desenvolvimento de games nas leis de incentivo ao audiovisual.
6 – Existe no setor a percepção de que falta alguma regulação ou que alguma norma deva ser alterada?
Talvez um dos grandes problemas seja a tributação. Quando lançamos um jogo em uma plataforma como a Steam há uma grande tributação na cadeia. Paga-se o tributo nos Estados Unidos, depois no Brasil. Cerca de 45% a 50% do valor de venda acaba sendo tributos. É por esse motivo que algumas empresas acabam abrindo escritórios fora que possem acordos bilaterais. Seria importante pensar em uma alternativa que estimulasse a exportação e circulação dos produtos nacionais. Existe também a questão do custo de contratação de profissionais no regime de CLT, que é efetivamente inviável para empresas que estão começando e até para algumas já mais estruturadas.
7 – Outros países no mundo investem no setor? Poderia dar um exemplo?
A Finlândia é um bom exemplo de incentivo para empresas produtoras de jogos, através de políticas de isenção e fundos de investimentos. A China, Coréia e Canadá também são exemplos recentes de investimento maciço no setor. Vale citar ainda a Polônia, que tem uma política forte e que já tem demonstrado bons resultados. Aliás, a série The Witcher, que ganhou notoriedade pelo impacto transmídia, é de lá.
8 – Em sua opinião, qual seria a política pública prioritária para o bom desenvolvimento do setor no Brasil?
É preciso pensar em políticas pensando toda a cadeia produtiva e não apenas pensar no desenvolvimento dos jogos. Existe capacitação dos agentes, existe público consumidor… As empresas conseguem expor? Por exemplo, vale mencionar que o investimento para mandar empresas para a Gamecom trouxe muito mais retorno no fechamento de negócios no sul. Atualmente, o governo estuda investir para a produção de vídeos de teaser e divulgação. Uma ideia é criar um site para divulgar empresas e fazer picthings de jogos. Seria uma plataforma de venda internacional, inclusive… Um espaço para ajudar até em negociação com publishers que poderiam se atualizar por lá.
9 – E como funciona a associação?
Ela foi fundada em 2013. Hoje temos 32 empresas associadas. Prezamos sempre por uma gestão administrativa e financeira é transparente. Ela atua em diversas frentes na defesa dos interesses do setor. Vale mencionar que, internamente, organizamos um “programa jedi-padawan”, que é esse sistema de mentoria e ajuda mútua entre os associados. Tenta-se fomentar um pensamento de cooperação e não de concorrência. Assim, empresas mais experientes ajudam as iniciantes e, no fim, todos ganham com o desenvolvimento da área. Promovemos reuniões mensais e adotamos outros canais de comunicação para trocas de oportunidades, informações e assim por diante. A ADjogos também articula missões internacionais. Anualmente, fazemos revisões do plano de ações, uma vez que o mercado é muito dinâmico.