Nos últimos 20 anos, o tema da economia criativa ganhou as graças de gestores públicos, empreendedores e acadêmicos. Diversos relatórios de organizações internacionais empenham-se em demonstrar como os setores criativos configuram-se como um eixo estratégico de desenvolvimento, por exemplo, em razão de seu excelente desempenho econômico.
A economia criativa é apresentada como uma alternativa viável para a criação e fortalecimento de novas cadeias produtivas, pautadas na sustentabilidade ambiental, empregabilidade, alto-valor agregado de seus bens e serviços e preservação das identidades culturais. Esse discurso é extremamente convidativo, especialmente, aos países subdesenvolvidos.
Se em outros tempos, a cultura desses países podia ser acusada de obstar o desenvolvimento econômico, agora, ela é reconhecida como um ativo, que pode alavancar a criatividade e inovação. Ou seja, a economia criativa passa a ser oferecida como uma possível solução para desafios históricos da superação de uma condição periférica no capitalismo global.
Mas será verdade que “essa” economia criativa está ao alcance de todos?
Queremos aqui fazer algumas breves reflexões para problematizar um pouco essa questão.
Relatórios internacionais sobre a economia criativa como o da UNCTAD mostram que os países “em desenvolvimento” têm apresentado bom desempenho no comércio global de bens e serviços criativos. Porém, as grandes potências nos setores criativos continuam sendo os países de “Primeiro Mundo”.
Nesses países, existe uma disponibilidade de capital humano altamente qualificado, infraestrutura tecnológica consolidada (por exemplo, de acesso à internet), boas oportunidades de capitalização e financiamento de projetos, políticas públicas de fomento aos setores criativos etc. Isso permite com que as cadeias produtivas possam se organizar de maneira industrial, com ganhos de escala e maior rentabilidade.
Não podemos nos esquecer que a hegemonia econômica, política e cultural desses países também influencia diretamente nos resultados de suas economias criativas. Tome-se como exemplo o caso de Hollywood. O poder das majors permite que estas possam controlar os principais meios de distribuição de conteúdo e realizar campanhas maciças de marketing, a fim de garantir o retorno de seus investimentos. A própria globalização da cultura americana, inclusive da língua inglesa, reduz a resistência e facilita o consumo de seus produtos.
Ou seja, as transações de bens e serviços criativos não fluem livremente ao redor do mundo, assim como não são equilibrados os intercâmbios culturais entre as coletividades e os países.
Ainda que se reconheça uma margem de crescimento da exportação dos bens e serviços criativos pelos países subdesenvolvidos, não podemos nos esquecer que a organização mundial do trabalho ainda está estruturada em favor dos países desenvolvidos, que continuam irradiando as principais inovações tecnológicas e retendo os principais centros de decisão político-econômica.
Some-se a esse cenário o fato de que o fenômeno da economia criativa nem sempre é bem compreendido pelos governos e pela iniciativa privada dos países subdesenvolvidos. Isso se manifesta, por exemplo, na reprodução e importação de teorias e conceitos, modelos de negócio e políticas públicas sem considerar a realidade local/nacional. Todo projeto de economia criativa, público ou privado, precisa respeitar as bases materiais e imateriais de sua própria cultura.
Não queremos trazer qualquer nuvem de pessimismo sobre a economia criativa. Porém, é preciso ter uma postura crítica e certa dose de realismo, evitando fantasias a seu respeito. A economia criativa é para todos, pois todos temos a possibilidade de criar, inovar e gerar valor! Agora, tornar a economia criativa uma grande fonte de renda, empregos, preservação das identidades etc., enfim, um vetor de desenvolvimento, este sim é um grande desafio.
Abraços e boas ideias!
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