O fenômeno cinematográfico da MARVEL e DC aqueceu o mercado audiovisual de adaptações de histórias em quadrinhos. Isso acontece também no Brasil! Basta lembrar de algumas produções já lançadas como Turma da Mônica: Lições, Motorrad, Tungstênio, o Doutrinador, entre outras em pleno desenvolvimento.
Quem acompanha nossa coluna aqui no IDEA conhece uma das principais regras envolvendo os direitos autorais: o uso de qualquer obra protegida pela legislação depende da autorização do titular desses direitos. [1] Em outras palavras, se uma produtora audiovisual deseja transformar uma história em quadrinho em um filme ou série, ela precisará pedir uma autorização (licença) específica para o autor (desenhista/roteirista) e, em alguns casos, para a editora.
Neste artigo, queremos dar cinco dicas a respeito desse tipo de operação jurídica, de modo a esclarecer para as partes como esses acordos funcionam e quais os principais pontos de atenção. Separamos o assunto em 5 perguntas:
a) Como é o contrato? Normalmente, assina-se um Contrato de Opção de Compra. Como isso funciona? A produtora (licenciada) irá receber uma autorização do autor para levantar recursos no mercado para fazer o filme ou a série. Essa autorização é dada com exclusividade, ou seja, apenas ela poderá buscar uma forma de financiar o projeto. Além disso, é fixado um certo tempo (em geral, 2 a 3 anos) para conseguir esses recursos. Se a produtora tiver sucesso, ela paga um valor e recebe uma licença definitiva. Se não tiver, perde os direitos da adaptação. Chama-se opção de compra justamente porque ela tem a possibilidade de comprar os direitos de adaptação.
b) Como o autor recebe? O autor pode receber um valor inicial como contrapartida por esse período inicial de autorização para a produtora levantar recursos.
Além disso, caso a produtora consiga captar o montante necessário para fazer o filme/série, ela “exerce sua opção de compra” dos direitos da adaptação. Nesse momento, ela paga mais uma remuneração para adquirir essa licença definitiva. Vários acordos são possíveis: valor fixo, participação no orçamento da produção, participação nas receitas de exploração da obra audiovisual, participação nas receitas de subprodutos (roupas, brinquedos etc.) – ou uma combinação dessas modalidades. Cada forma de pagamento possui vantagens e desvantagens, que precisam ser avaliadas no caso concreto.
Vale esclarecer que a lei não tem uma tabela ou regra específica de remuneração, de modo que isso será definido por contrato.
c) Como deve ser a licença? A produtora irá buscar uma licença mais abrange possível. Isso significa que ela tentará obter os direitos para fazer não apenas uma obra audiovisual, mas também derivações (novas temporadas, sequências etc.), bem como subprodutos (bens de consumo em geral). Isso torna o ativo de propriedade intelectual mais interessante para possíveis financiadores. Afinal, são abertas diferentes possibilidades de rentabilização.
Contudo, esse escopo da licença é totalmente negociável e os autores da história em quadrinho podem resguardar possíveis usos que sejam de seu interesse, por exemplo, outras publicações editoriais.
d) A editora deve receber alguma coisa? Depende de como foi feito o contrato entre autor e editora. O contrato de edição normalmente trata da publicação e exploração da história em quadrinho enquanto publicação literária. Não obstante, pode ser que a editora tenha estabelecido que ela também cuidará de negociações envolvendo adaptações e receberá uma comissão por essa atividade.
e) O autor pode manter o controle criativo da obra? Contratualmente o autor pode sim exigir uma cláusula de aprovação dos direcionamentos criativos da obra audiovisual. Porém, isso tende a tornar a propriedade intelectual menos interessante para a produtora, uma vez que nem ela e nem os possíveis financiadores querem ter alguém com palavra final em assuntos relacionados à produção.
Um caminho intermediário é prever a contratação do autor como um consultor criativo. Nesse caso, ele participaria das salas de roteiro e poderia opinar em outros aspectos relevantes da obra.
Por fim, não custa lembrar que o serviço de uma assessoria jurídica na revisão do contrato é essencial para evitar quaisquer problemas e dores de cabeça futura, mesmo que as partes tenham clareza e mútuo entendimento dos termos do acordo.
[1] Lei de direitos autorais: “Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; […] V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;”
Foto de Erik Mclean na Unsplash.