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A cláusula contratual que garante a publicação de Mulher-Maravilha

Circula a história que William Marston, criador da Mulher Maravilha, foi um dos primeiros autores a firmar um acordo sólido envolvendo seus direitos autorais no mundo dos quadrinhos. O contrato, firmado antes de sua morte em 1947, garantia não apenas uma participação nos royalties de vendas dos gibis e produtos derivados, inclusive para seus herdeiros, como previa a perda do direito de edição da DC caso esta deixasse de publicar a personagem. Desse modo, a heroína acabou sendo uma das séries mais duradouras e longevas de todos os tempos. [1]

O arranjo foi uma maneira bastante interessante e sofisticada de manter a obra viva. No campo do direito, é comum dizer que os países que adotam o regime jurídico do copyright possuem mais liberdade de negociação que aqueles derivados do droit d`auteur francês. E no Brasil de hoje? Seria possível prever uma cláusula como essa?

O contrato de edição é expressamente previsto na legislação brasileira, que o conceitua como aquele pelo qual o “editor, obrigando-se a reproduzir e a divulgar a obra literária, artística ou científica, fica autorizado, em caráter de exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas com o autor” (artigo 53, da Lei n.º 9.610/98). A Lei traz vários parâmetros para esse tipo de instrumento, dentre eles a seguinte disposição: “Não havendo edição da obra no prazo legal ou contratual, poderá ser rescindido o contrato, respondendo o editor por danos causados” (parágrafo único do artigo 62, da mesma Lei).

Dessa forma, o autor e editor podem combinar que, se a obra não for publicada, no prazo de “x” meses ou “y” anos, o contrato é rescindido, retornando assim os direitos para a esfera patrimonial de seu criador. Em sentido semelhante, nos parece possível que as partes também possam estabelecer que a editora deve realizar um número mínimo de publicações ao longo da vigência do contrato. Afinal, o autor (enquanto titular dos direitos autorais) pode estabelecer as condições de uso e aproveitamento de seu trabalho, inclusive, as eventuais limitações e hipóteses de revogação da concessão para edição e publicação.

Porém, existem duas observações interessantes a serem feitas nesse tipo de caso.

Em primeiro lugar, o contrato de edição no Brasil normalmente trata de obras em si e não de personagens. Por isso, um contrato que envolvesse a obrigação da editora de dar continuidade às aventuras de um herói, por exemplo, deveria prever também uma licença ou cessão de direitos de uso do personagem – com a possibilidade de criação de novos trabalhos adaptados. Essa cláusula também poderia prever condições específicas para sua manutenção, como um número mínimo de histórias a serem publicadas etc.

Ademais, é possível que um contrato dessa natureza tenha um longo prazo de duração. É um acordo que poderá durar seus 70, 80, 90 anos… As condições sócio-econômicas nesse período podem mudar drasticamente. Imagine o caso em que o custo para encomendar novas histórias e publicar revistas impressas torne praticamente inviável o cumprimento desse tipo de cláusula. O que fazer? Nesse caso o contrato é rescindido por descumprimento de previsão? Ou estamos diante de uma mudança de situação que permite a revisão de certas disposições sem extinguir o contrato?

Esse é um assunto bastante interessante no campo do direito e, com certeza, exige uma sofisticação na redação do contrato. William Marston foi visionário e conseguiu perpetuar sua criação com ajuda do direito. Há contratos que engavetam ideias, outros que ajudam a lançá-las no mundo.

 

 

[1] Em um primeiro momento, encontramos apenas notícias do fato e não uma fonte primária. Cf. https://blog.timesunion.com/comicbooks/wonder-woman-in-the-silver-age-wonder-tot-begins/7564/; https://www.quora.com/Who-owns-the-copyright-to-the-Wonder-Woman-character; https://entertainment.howstuffworks.com/arts/comic-books/wonder-woman5.htm

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