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10 perguntas e respostas sobre contratos de encomenda de trilha sonora para obras audiovisuais [repost]

Por uma coincidência, este mês revisei muitos contratos de encomenda de trilha sonora para obras audiovisuais aqui no escritório e percebi algumas dúvidas recorrentes das partes envolvidas, tanto das produtoras quanto dos músicos. Este guia traz 10 perguntas e respostas para descomplicar o assunto e esclarecer alguns conceitos que algumas vezes são mal compreendidos.

1. O que é o contrato de encomenda de trilha?

O contrato de encomenda de trilha sonora é um acordo para regularizar a prestação de serviços, no qual um maestro, um compositor ou um estúdio se compromete a escrever músicas e entregar as respectivas gravações (fonogramas) para uma produtora audiovisual. Esta produtora irá utilizar estas entregas como parte da trilha sonora de uma obra audiovisual.

Obviamente, esse objeto/escopo dos serviços pode ter diversas variações e detalhamentos dependendo do acordo.

As duas partes podem combinar, por exemplo, que algumas músicas e gravações serão obtidas de bancos de trilha já existentes.

2. Por que os contratos de trilha são tão grandes?

Existem dois motivos principais para o tamanho e complexidade dos contratos de trilha.

Em primeiro lugar, estes contratos envolvem os chamados direitos autorais e direitos conexos (como veremos adiante). Por força da nossa legislação, essas cláusulas devem ser bem detalhadas e prever muito bem os usos e direitos permitidos.

O outro motivo pode decorrer da forma como a produção está organizada. Muitas produções audiovisuais no Brasil são feitas em regime de encomenda, ou seja, a própria produtora também está prestando serviços para um agente financiador (um canal de TV, uma plataforma de streaming, uma distribuidora etc.). Estes financiadores exigem uma série de regras de conduta e cláusulas para todos os envolvidos na produção. É por esse motivo que, durante as negociações, algumas produtoras poderão indicar que não poderão mexer nas minutas de contrato – que foram previamente aprovadas pelo financiador.

3. Por que existem cláusulas de direitos autorais e conexos?

Nos contratos de trilha sonora há 3 direitos que constituem parte central da operação:

a) Direito autoral sobre as composições e arranjos, com titularidade originária (“o primeiro dono”) do compositor/arranjador;

b) Direito conexo sobre as interpretações musicais, com titularidade originária do músico intérprete (o cantor, guitarrista, baterista etc.);

c) Direito conexo sobre os fonogramas, com titularidade originária do produtor fonográfica (aquele que organiza e custeia as gravações, ou seja, normalmente, a própria produtora audiovisual).

A regra geral da nossa Lei de Direitos Autorais (Lei n.º 9.610/98) é que ninguém pode usar obras, arranjos, interpretações ou gravações de outros sem a prévia e expressa autorização. Assim, a produtora precisa regularizar como vai ocorrer a transferência ou autorização desses direitos.

Aliás, é por causa dessa regra que estes contratos costumam ter um anexo, para que o prestador de serviço também consiga as respectivas autorizações com os subcontratados envolvidos nas entregas (ou seja, os músicos participantes das gravações).

4. Qual a diferença da cessão e licença dos direitos autorais e conexos?

A cessão é uma transferência de direitos. Neste caso, a produtora audiovisual vira a nova titular dos direitos patrimoniais de autor e/ou conexos, que são os direitos de utilizar, explorar e dispor da composição, arranjos, interpretações e gravações. Ou seja, ela poderá explorar livremente as entregas não apenas na obra audiovisual, mas poderá buscar outras formas de rentabilização como a exploração da trilha em plataformas de streaming ou até mesmo com o licenciamento a terceiros.

Muito importante: por lei, a cessão não “transfere a autoria”; em outras palavras, o compositor e os intérpretes deverão ser sempre indicados por sua participação criativa nas composições e fonogramas. A cessão apenas transfere a parcela patrimonial dos direitos, que essa possibilidade de aproveitamento econômico.

O licenciamento, por sua vez, é uma autorização. Logo, não há transferência de direitos. O compositor e os intérpretes licenciam à produtora os direitos de sincronização das músicas e fonogramas, que é essa inserção em uma obra audiovisual, entre outros usos previstos no contrato.

A legislação brasileira dá muita liberdade para as partes negociarem estes direitos. É possível, por exemplo, que, concomitantemente, os direitos autorais sejam licenciados, mas os direitos conexos sobre as gravações sejam cedidos à produtora. Ou então, pode ser combinada uma cessão de tudo, mas com algumas reservas de usos para o prestador de serviços.

5. O prestador cede/licencia as obras e fonogramas ou os direitos autorais e conexos?

Tecnicamente, entendo que o mais correto é prever em contrato a cessão ou licenciamento dos direitos autorais e conexos sobre as entregas. Essa é a terminologia utilizada no artigo 49 da Lei n.º 9.610/98: “Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito“. Não obstante, não me parece que a cláusula teria algum vício formal se fosse escrita a cessão ou licença das entregas.

6. Se o prestador de serviços ceder ou licenciar os direitos de forma ampla para a produtora ele perde o direito de receber o pagamento pela execução pública?

De fato, quando ocorre uma execução pública de músicas o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) pode fazer o recolhimento de uma retribuição financeira que será paga aos artistas e demais titulares de direito envolvidos.

O ideal é que essa questão esteja prevista no contrato, seja pela transferência à produtora, seja pela sua manutenção em favor dos compositores e intérpretes.

Há advogados que entendem que o direito de receber a retribuição pela execução pública não podem ser cedidos, de modo que mesmo nos casos de contratos prevendo a cessão de direitos, os autores continuariam tendo direito à receber os pagamentos do ECAD.

No nosso entender, o direito de receber a remuneração pela execução pública faz parte dos direitos patrimoniais de autor, podendo ser livremente negociados em contratos. Logo, poderiam ser cedidos à produtora audiovisual.

7. O prestador tem direito de receber royalties pelo uso das músicas?

Tudo depende de como as partes combinarem. Como mencionado acima, a legislação brasileira dá bastante liberdade de negociação sobre a forma de pagamento. Normalmente, é mais comum que a remuneração seja combinada em um preço fixo, reservando para os autores e intérpretes os direitos de receber os valores pela execução pública feitos pelo ECAD (enquanto a produtora audiovisual fica com a parcela dos direitos conexos sobre o fonograma).

8. Como devem aparecer os créditos do responsável pela trilha?

A legislação brasileira não estabelece especificamente como devem ser atribuídos os créditos. Mais uma vez, as partes irão combinar no contrato a forma de atribuição.

9. Quais os cuidados que devemos ter no contrato?

Além da questão dos direitos autorais e conexos e do pagamento, sugerimos sempre uma atenção especial para dois pontos:

  • Escopo: é preciso que exista clareza de quantas músicas/gravações vão ser produzidas, quantas são originais e quantas vêm de bancos de trilhas, qual a forma de entrega, quantas correções estão embutidas no preço, por quanto tempo o prestador deve ficar com o backup das masters e assim por diante;
  • Rescisão: o que acontece no caso de um desentendimento, de uma briga ou de uma situação que não estava prevista que leve ao encerramento do contrato? O prestador recebe pelo que fez até o momento? E os direitos ficam com quem?

10. O que é o Cue Sheet?

É uma ficha cadastral que indica todas as músicas/fonogramas que constam na trilha sonora, permitindo assim o recolhimento dos valores correspondentes à execução pública.

Foto de Alexey Ruban na Unsplash

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