A pandemia da Covid-19 acelerou e reforçou uma tendência no mundo do direito: a assinatura de contratos e outros documentos pela digital. De fato, nos último anos, surgiram diversas plataformas que permitem a assinatura eletrônica, tornando muito mais fácil assinar contratos. Afinal, não é mais necessário que todos estejam no mesmo lugar ou que as vias do contrato sejam enviadas de um local a outro para que as assinaturas possam ser coletadas.
Porém, com a popularização das assinaturas eletrônicas, também surgem dúvidas sobre a regularidade desse procedimento, como conduzi-lo, como arquivar o documento, entre outras questões que vemos recorrentemente no dia a dia.
Nesse artigo buscamos esclarecer algumas dessas incertezas:
1) Primeiro, quando eu devo me preocupar em assinar um contrato?
No cotidiano, recorrentemente nos deparamos com situações que dispensam um contrato escrito – por exemplo: ao comprar um pão na padaria, o que estamos fazendo, na prática, é celebrar um contrato, mas que não precisa ser formalizado.
Porém, há casos em que essa formalização é necessária porque a lei assim exige. Vamos imaginar a contratação de serviços de um profissional criativo como um fotógrafo ou um designer. De acordo com a lei de direitos autorais, a transferência dos direitos sobre as criações produzidas somente ocorrerá por escrito. Outro exemplo é o contrato social de uma empresa, que além da assinatura dos sócios, depende também de registro na junta comercial para produzir os efeitos desejados.
Além disso, mesmo quando a lei não exige uma formalidade específica, assinar um contrato é muito importante em diversas situações porque: (1) serve de memória do acordo entre as partes; (2) torna a relação muito mais transparente, evitando desentendimentos e incertezas; (3) pode ser cobrado judicialmente de uma forma mais objetiva. Voltaremos a esse último tópico mais adiante.
2) No campo da cultura e economia criativa, quais são os contratos mais importantes de se assinar?
Como mencionamos acima, serviços prestados no campo da cultura normalmente envolvem a criação de obras intelectuais, protegidas pela Lei de Direitos Autorais. Por expressa disposição legal, os direitos sobre entregas (criações) somente podem ser transferidos por contratos (cessões ou licenças de direitos autorais).
Podemos citar também o caso do uso do nome, imagem e voz de pessoas, por exemplo, para documentários ou fotos. O ideal é que sempre se assine uma autorização expressa indicando as finalidades desse registro e o seu aproveitamento.
3) Eu preciso ter 2 testemunhas assinando meu contrato?
O artigo 784 do Código de Processo Civil fala sobre títulos executivos extrajudiciais, isto é, um documento que tem força executiva – por exemplo: cheques, notas promissórias e documentos particulares assinados na presença de duas testemunhas. O contrato também pode ser um título executivo e ser cobrado na justiça caso alguma parte não cumpra o combinado (não entregar algo, não pagar etc.).
Para um contrato físico ser considerado um título executivo ele deve ser assinado pelas partes acompanhados de duas testemunhas ou ter o reconhecimento de firma da assinatura das partes.
Porém, para contratos assinados eletronicamente a situação é um pouco diferente. Uma lei recente incluiu no mesmo artigo 784 um § 4º, que considera os documentos assinados eletronicamente também como títulos executivos extrajudiciais, ainda que não assinados por duas testemunhas. Ou seja, essa mudança facilitou a possibilidade de execução do Contrato na justiça, já que basta ter a assinatura das partes para que o contrato eletrônico possa ser eventualmente executado em juízo.
4) E quem pode ser testemunha?
A princípio, qualquer pessoa com capacidade jurídica (isto é, ser maior de idade e ter condições de adquirir e exercer direitos e obrigações) pode assinar um contrato como testemunha.
De acordo com a legislação, não poderiam assinar como testemunhas: pessoas incapazes, impedidas, suspeitas, menores de dezesseis anos, o interessado no litígio, o amigo íntimo ou inimigo capital das partes, os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de algumas das partes, por consanguinidade ou afinidade.
Na prática, recomenda-se que a testemunha tampouco tenha interesse direto no contrato.
5) Qual a diferença entre assinatura eletrônica e digital?
A assinatura eletrônica é aquela que permite identificar o signatário, o que pode ser realizado por diversos meios (e-mail, token via SMS, reconhecimento facial etc.).
Já a assinatura digital é uma assinatura eletrônica realizada com certificado ICP-Brasil – isto é, um certificado emitido de acordo com a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira. A assinatura digital é mais “forte” que a eletrônica, e é normalmente solicitada por cartórios e órgãos públicos.
6) O que é um certificado digital?
Um certificado digital é uma chave de assinatura criptográfica que permite comprovar a identidade de uma pessoa física ou jurídica – é uma espécie de carteira de identificação virtual. Existem vários tipos de certificados digitais, com diferentes custos, aplicações e níveis de segurança. Os certificados digitais amplamente aceitos em todo o Brasil são aqueles emitidos de acordo com a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, que apenas podem ser emitidos por autoridades certificadoras credenciadas pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.
Ao assinar um documento usando certificado ICP-Brasil, o certificado automaticamente vincula ao documento um arquivo com os dados de quem assinou (e tanto a assinatura quanto esse arquivo são protegidos por criptografia). Com isso, a assinatura com certificado ICP-Brasil tem validade incontestável no Direito brasileiro.
7) A assinatura eletrônica é tão válida quanto a assinatura física?
Sim, desde que preencha três requisitos: (1) a assinatura eletrônica deve ter uma trilha de auditoria que identifique as pessoas que receberam e assinaram o documento – essa trilha confirma que as partes queriam celebrar aquele contrato; (2) o documento assinado deve estar protegido de tal forma que não possa ser alterado depois de assinado; e (3) as partes devem aceitar e concordar em usar a assinatura eletrônica – essa concordância pode ser obtida por meio de uma cláusula no contrato.
Atualmente existem diversas plataformas que oferecem serviços de assinatura eletrônica e, independentemente do sistema, a assinatura será válida desde que realizada de acordo com os três quesitos acima. Porém, há uma peculiaridade no caso da assinatura de documentos que serão juntados em processos judiciais eletrônicos: nem todos os sistemas de assinatura são aceitos por plataformas de peticionamento eletrônico – exemplo é a plataforma do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que não opera de modo adequado com determinados sistemas de assinatura eletrônica, em especial o Gov.br. Por isso, caso esteja assinando um documento que será juntado em um processo judicial eletrônico, recomendamos antes se informar sobre os sistemas aceitos pela plataforma do Tribunal em questão.
8) E se eu digitalizar minha assinatura física e colar no contrato. Isso tem validade?
Uma assinatura colada no arquivo não é capaz de demonstrar a trilha de auditoria e, consequentemente, a vontade das partes em contratar. Por isso, uma assinatura deste tipo não é válida. Especialmente em contratos, que sempre envolvem pelo menos dois interesses diferentes, é muito importante ter uma assinatura válida, que comprove que todos tiveram acesso ao documento e assinaram reconhecendo todo o conteúdo.
9) O que é a tal da cadeia de custódia?
A cadeia de custódia é a prova de que o documento circulou entre as partes – é o caminho que o contrato percorreu até ser assinado. Essa comprovação é realizada pelas plataformas de assinatura eletrônica, através do registro do endereço de IP e das informações de data e hora em que cada parte acessou o arquivo e inseriu sua assinatura. É essa cadeia de custódia que vai comprovar a trilha de auditoria que citamos na pergunta nº 7.
10) Eu posso assinar o contrato pela plataforma Gov.br e depois enviar para a outra parte assinar pelo Gov.br dela?
O Gov.br é uma ótima plataforma para casos em que precisamos, sozinhos, assinar algo – por exemplo: um recibo, uma declaração etc. –, mas não funciona tão bem quando temos mais de uma pessoa que precisa assinar o contrato.
Isto por quê a plataforma não permite que mais de uma pessoa assine o documento, ou seja, o Gov.br não permite averiguar a trilha de auditoria. Ao pegarmos um documento assinado via Gov.br por uma das partes e enviar para a outra parte assinar via plataforma de assinatura eletrônica, nós não teremos uma cadeia de custódia regular. Por isso, a assinatura do documento não teria validade jurídica.
11) Qual é a via original de um contrato assinado eletronicamente?
Diferente de um contrato físico, todas as vias digitais de um contrato assinado eletronicamente são autênticas, ou seja, não existe uma via original. As plataformas de assinatura eletrônica costumam ter uma funcionalidade que envia automaticamente para todos os signatários uma cópia do contrato assinado – e todas essas vias são válidas, por causa da trilha de auditoria que identifica o documento.
12) Como eu arquivo um contrato assinado eletronicamente?
A validade de um contrato assinado eletronicamente está, como vimos nos itens acima, intimamente vinculada com os conceitos de cadeia de custódia e trilha de auditoria. Eles são comprovados por uma documentação eletrônica, emitida pela própria plataforma de assinaturas, que fica vinculada ao contrato. São aquelas páginas no final do documento, nas quais podemos ver dados sobre as assinaturas realizadas: endereço de e-mail, tokens e outros tipos de autenticação utilizados, endereço de IP dos signatários e local, data e hora de acesso ao documento, entre outras informações.
Assim, é muito importante arquivar este documento acessório do processo de assinatura eletrônica junto com o contrato – por exemplo, num arquivo único. São esses dois documentos, juntos, que comprovam que houve a assinatura e que ela tem validade jurídica.
13) Perdi o meu contrato assinado digitalmente. O que posso fazer para recuperar?
Isso depende um pouco da plataforma usada. Se você ainda tem pelo menos o hash da assinatura digital (é aquele código/sequência de caracteres gerada na criptografia para o documento assinado), você pode tentar recuperar pelo site da plataforma. Caso não tenha isso, é possível que a plataforma consiga prestar algum suporte na recuperação a partir do nome das partes, e-mails usados na assinatura e data de assinatura.
Foto de Signature Pro na Unsplash