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Obras audiovisuais produzidas a partir de materiais brutos de outras obras podem ser consideradas derivações?

No setor audiovisual, especialmente no campo dos documentários, é comum que os produtores acabem acumulando uma grande quantidade de registros brutos não aproveitados. Estamos falando de gravações de entrevistas, fotografias de pessoas, filmagens de paisagens, entre outros materiais que não entram na versão final do filme/série ou entram apenas parcialmente (editados).

Nessas situações, é comum que surja uma dúvida pertinente: Se alguma produtora realizar uma outra obra audiovisual com esses materiais brutos isso seria uma derivação da primeira obra audiovisual?

Primeiramente, vale esclarecer que a propriedade sobre os registros brutos costuma ser a mesma da obra audiovisual. Logo, a empresa responsável pela organização e realização do filme/série (a produtora) também é a titular desses materiais – lembrando que é muito importante que esta obtenha as respectivas cessões e licenças de direitos com os envolvidos no projeto. Caso a obra audiovisual seja feita em regime de coprodução (com mais de uma parte participando do processo de realização), é recomendável que as partes do contrato estabeleçam as regras aplicáveis aos registros brutos. Nada impede que, contratualmente, estas coprodutoras estabeleçam uma divisão de propriedade dos registros brutos diferente da cotitularidade da obra audiovisual em si.

A obra derivada, nos termos do artigo 5º, inciso VIII, alínea “g” da Lei n.º 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), é aquela criação que resulta da transformação de obra originária. Nesse sentido, uma obra derivada de um filme ou série é aquela que decorre de alguma adaptação, edição, versão ou outra transformação da obra audiovisual já existente.

Nesse contexto, em nossa opinião, para se configurar uma derivação, a nova obra audiovisual deve aproveitar a versão final do filme ou série, não sendo suficiente o mero aproveitamento dos mesmos materiais brutos. Afinal, a obra audiovisual originária não é apenas a soma de diversas filmagens. Ela conta com a direção, a montagem, a edição de som e imagem, a trilha, efeitos visuais, entre outras contribuições criativas que possam ser inseridas no processo de realização.

Esse tipo de diferenciação é fundamental porque a produtora pode ter uma série compromissos e condições específicas aplicáveis às derivações, por exemplo, aprovações prévias de coprodutores, participações dos financiadores nas receitas, prioridades com distribuidores e exibidores (primeira opção) etc.

Evidentemente, é preciso sempre ter um certo cuidado no caso concreto. Se a produtora pretende utilizar uma grande quantidade de materiais brutos já aproveitados na obra original, aproximando a nova obra audiovisual da primeira, poderíamos especular algum tipo de prática de concorrência desleal, enriquecimento sem causa, ou mesmo, violação de contrato ou de direitos de propriedade intelectual – a depender da situação. No plano da abstração, do exercício imaginativo, poderíamos dizer que o risco jurídico tende a ser menor se a produtora aproveitar materiais brutos inéditos, não utilizados na obra já produzida. Porém, como dito (e vale reforçar), tudo dependerá do caso concreto.

Foto de Kyle Loftus na Unsplash

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