Os museus e as instituições culturais lidam frequentemente com fotografias das obras de arte que fazem parte de seus acervos ou que simplesmente são exibidas aos visitantes em suas exposições.
Tais registros servem para ilustrar os catálogos dedicados às exposições, compõem postagens em redes sociais com o objetivo de divulgar ao público o que está em cartaz, são exibidos em matérias jornalísticas sobre a instituição e, mais recentemente, vêm sendo inseridos em exposições virtuais em formato 3D. Com tudo isso, as instituições culturais abrem as portas a um grupo muito maior de pessoas do que aquele que normalmente visitaria suas exposições.
Para obter tais registros, as entidades contam com profissionais fotográficos em suas equipes ou – o que é ainda mais comum – os contratam temporariamente por meio de prestação de serviços. Quando assessoradas por jurídico especializado, essas instituições tomam o cuidado de assinar uma cessão de direitos autorais com seus fotógrafos, a fim de se tornarem titulares (“donas”) de eventuais direitos autorais existentes sobre as imagens e, com isso, poderem as utilizar com maior tranquilidade e liberdade.
Diante de uma fotografia de uma escultura, mesmo o olhar leigo consegue identificar o “toque artístico” do profissional que a fez, por meio da escolha de ângulo, enquadramento, luzes e demais elementos que individualizam aquele clique. Contudo, nas fotografias de obras bidimensionais – quadros com pinturas ou gravuras, por exemplo – fica mais difícil distinguir a “marca pessoal” do fotógrafo. E, então, os trabalhadores da arte frequentemente se perguntam: se a fotografia é uma reprodução exata do quadro, existe direito autoral nela? Como um mero “xérox” da obra original poderia conter uma “camada” adicional de direitos?
No nosso entendimento, só haverá direitos autorais sobre a fotografia de uma obra de arte quando houver pretensão artística por parte do fotógrafo e, portanto, o registro – seja analógico ou digital – da obra for dotado de um mínimo de originalidade. Entretanto, se o intuito do registro for a mera documentação, sendo simplesmente uma reprodução fidedigna da obra fotografada, estudiosos defendem que ela não é protegida por direitos autorais (BENHAMOU, 2016; WIPO, 2019, p. 13).
Assim, temos, de um lado, uma fotografia do tipo “representação”, que consistiria em “uma afirmação sobre a identidade do que se retrata”, dotada de criatividade, e, de outro lado, aquela do tipo “reprodução”, que seria mera cópia, na qual não há intenção de expressão criativa, mas somente se busca retratar o objeto o mais fielmente possível (GARVIN, 2019, p. 464-465). Na primeira modalidade, o fotógrafo faz escolhas livres e criativas, enquanto na segunda ele unicamente segue regras técnicas de sua profissão e dos equipamentos utilizados. Inclusive, quem trabalha com acervos sabe da importância de a fotografia ser o mais parecida possível com a obra de arte na realidade, a fim de que o registro veicule a obra, suas cores e nuances de forma confiável.
Recentemente, a União Europeia enfrentou parte da questão na Diretiva 2019/790/EU, ao estabelecer que registros fotográficos fiéis de obras de artes visuais em domínio público não estão protegidos por direitos autorais, exceto se a fotografia for original o suficiente para “atrair” a proteção autoral. Esse novo regramento restringiu-se basicamente a resolver os obstáculos à digitalização 2D de objetos 2D em domínio público, não se debruçando sobre situações envolvendo fotografias de obras 3D ou daquelas 2D que ainda estão protegidas por direitos, mas é um indicativo muito importante da direção para a qual o debate está caminhando.
Nos Estados Unidos, um caso judicial famoso chegou a uma solução semelhante à da Europa ainda no final dos anos 90. Em Bridgeman Art Library Ltd. v. Corel Corp. (1998), uma corte em Nova Iorque foi chamada a avaliar se fotografias de obras de arte em domínio público seriam protegidas por direito autoral. O autor do processo era a Bridgeman Art Library, um repositório britânico de imagens cuja coleção continha fotografias de pinturas em domínio público, enquanto o réu era a Corel, empresa canadense do ramo de software que produzia e comercializava CD-ROMs contendo reproduções de obras clássicas de mestres europeus. Entre elas, algumas haviam sido supostamente copiadas das fotografias em poder da Bridgeman – e não feitas diretamente das pinturas originais.
A Bridgeman alegava que os registros fotográficos das obras de arte em questão eram, por si próprios, protegidos por direitos autorais. Com base na jurisprudência da Suprema Corte, o tribunal negou proteção por direitos autorais às reproduções exatas das obras por falta de requisitos mínimos de originalidade, pois, sendo o resultado final não mais do que uma “cópia servil” (slavish copy) das obras retratadas, não atenderia o requisito da “faísca criativa” (creative spark) (PESSACH, 2007, p. 24-29).
Outras decisões nos Estados Unidos (GARVIN, 2019, p. 459-462) e na Europa (ROSA, 2020, p. 6) vêm seguindo a mesma linha. No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça, ao avaliar uma situação envolvendo uma fotografia de cunho jornalístico, também entendeu que o registro somente vai estar protegido por direitos autorais se houver nele “traços criativos agregados pelo autor”. Ainda, a antiga Lei de Direitos Autorais de 1973 dá indícios de que nossa interpretação é a mais acertada. Seu texto conferia proteção às obras fotográficas “desde que, pela escolha de seu objeto e pelas condições de sua execução, possam ser consideradas criação artística”.
Mas, afinal, o que significaria, na prática, que fotografias fidedignas de obras bidimensionais não sejam protegidas por direitos autorais? Os profissionais de fotografia devem ser normalmente remunerados pela execução de seu trabalho, isto é, tirar as fotografias, mas se elas forem simples reproduções de obras bidimensionais, a instituição cultural poderia utilizar as imagens sem necessidade de autorização ou mesmo pagamento por direitos autorais ao fotógrafo.
Foto de Ståle Grut na Unsplash