Em 2000, o bibliotecário americano Steve Vander Ark cria a Harry Potter Lexicon, uma enciclopédia online sobre o universo de Harry Potter. O site, que não tinha finalidade lucrativa, se torna uma das principais referências dos fãs. Sete anos depois, Steve é procurado pela RDR Books, uma editora que desejava editar uma versão impressa da enciclopédia e lhe garantiu a viabilidade jurídica do projeto.
Porém, poucos meses depois a Warner Bros e Rowling ingressaram com medida judicial para impedir a publicação do livro. A autora alegava que pretendia publicar ela mesma uma enciclopédia e que o trabalho não autorizado a prejudicaria. Além disso, o livro também conteria uma quantidade significativa de citações e elementos protegidos da série, o que poderia equipará-lo a uma obra derivada da série original [1]. O Judiciário acabou suspendendo a publicação até a resolução da causa.
A discussão de mérito envolveu, de um lado, a acusação de que a enciclopédia reproduzia uma grande quantidade de material protegido, sem qualquer adição criativa, crítica ou de comentário. De outro, defendeu-se que o trabalho havia contado sim com diversas modificações, explicações e alterações do conteúdo original. Por que esse era um ponto de reprodução de conteúdo era essencial para o caso?
No modelo americano vigora o chamado Fair Use (“uso justo”), que permite o uso limitado de obras protegidas pelo Copyright, sem a necessidade de prévia e expressa autorização de seus titulares. Isso ocorre naquelas situações em que o uso se dá com finalidades de crítica, comentário, notícia, ensino ou pesquisa (17 U.S. Code § 107). Para a verificação do que se considera uso justo é necessário observar quatro fatores: (1) se o seu propósito e natureza tem finalidade comercial ou se dá para fins educacional; (2) qual o tipo de obra protegida em questão; (3) qual a porção da obra utilizada, em termos quantitativos e qualitativos; e (4) o impacto de tal utilização no mercado de exploração da obra e em seu valor. Assim, o ponto central da discussão era saber se o aproveitamento dos elementos criativos da obra de Rowling na enciclopédia podia ser considerado “uso justo”.
No fim, o juiz decidiu favoravelmente a Rowling e Warner, condenando os réus ao pagamento de indenização correspondente a 750 dólares por livro da autora (total de 6750 dólares). A indenização não foi maior pois os livros não chegaram a ser publicados, não gerando um dano de fato. O magistrado observou, porém, que a análise de enciclopédias e guias de referência deve ser feita no caso concreto e que nem todo trabalho desse natureza exigirá necessidade de autorização dos titulares. [2]
Esse é um caso interessante para as discussões envolvendo materiais e trabalhos criados por fãs. Mesmo que o objetivo principal seja uma homenagem e que não haja intensão de competir com o autor original ou violar seus direitos, deve-se ter bastante cautela.
[1] Vale lembrar que as obras derivadas devem ser autorizadas pelos titulares dos direitos autorais sobre as obras originais/originárias.
[2] Cf. https://h2o.law.harvard.edu/cases/2007
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