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Entrevista com Júlio Oliveira e Joana Russo da Editora Myhos

O IDEA continua aqui sua série de entrevista com editoras de quadrinhos para mapear a situação do mercado e os principais desafios jurídicos enfrentados pelo setor. Nossa intenção é aprimorar o debate sobre este seguimento e pensar em possíveis políticas e reformulações legislativas que possam incentivar a produção e acesso a esta área da cultura.

Agradecemos a loja Comic Boom por ter cedido gentilmente o local para realizarmos nossa entrevista. Aos fãs do gênero, recomendamos uma visita ao espaço, localizado na R. Tijuco Preto, 361, Tatuapé, em São Paulo.

 

1 – Quando e como surgiu a editora? Por que uma editora focada em quadrinho?

A Mythos surgiu em 1999. Os fundadores já trabalhavam no setor e decidem fundar sua própria empresa. Atualmente a Mythos, além de editar e produzir seus próprios trabalhos, presta serviços de edição para terceiros. São lançados cerca de 80 a 120 títulos quadrinhos por ano, além de revistas na área de psicanálise, ufologia, meditação e esoterismo.

 

2 – Em sua opinião, qual a situação do mercado editorial de quadrinhos no Brasil? Ele tem crescido nos últimos anos?

Nós conseguimos vislumbrar um aumento do número de editoras e títulos lançados, o que faz crescer também a concorrência no mercado. Porém, é difícil afirmar com certeza sobre o engrandecimento do setor em si.

Existe uma volatividade nas vendas de quadrinhos ao longo do ano, influenciada por diversos motivos, inclusive, lançamentos de filmes.

A crise nas grandes livrarias também afetou a possiblidade de acesso às publicações. Ao mesmo tempo, as distribuidoras tem mostrado incapacidade, inclusive em razão de custos, de colocarem os produtos em bancas e pontos de venda em todo o Brasil, especialmente em cidades mais afastadas dos grandes centros. Apesar dos hábitos de consumo terem mudado significativamente, ainda existe um público que busca as vias físicas. Esse é o caso, por exemplo, da revista TEX, que tem um público consumidor acostumado e fiel com o modelo histórico de venda.

 

3 – Em sua opinião, quais são os desafios no estabelecimento de uma editora focada em quadrinhos no Brasil?

Como mencionamos antes, há uma crise que afeta os diversos agentes do setor, desde a gráfica até os pontos de venda. Porém, talvez um dos pontos mais críticos seja a identificação do público que a editora quer atender. A Mythos tem uma linha editoral bem clara voltada a quadrinhos mais “pop”, tanto em brochuras quanto em edições consideradas de luxo. Publicamos personagens como Dylan Dog e Hellboy, que podem ser opções interessantes para quem deseja sair do circuito Marvel-DC. Além de conhecer o seu público, a editora deve saber como alcança-lo. Isso envolve também uma decisão comercial sobre o próprio produto, ou seja, como equilibrar o preço, valor (não apenas financeiro), qualidade e outras características da publicação que vão ser avaliadas pelo consumidor. No Brasil temos tanto leitores casuais quanto aplicados, que realmente investem em aquisições. Atualmente, estão surgindo inclusive leitores que se tornam fiéis ao lançamento das editoras em si. Como outros setores da economia, o público quer ser ouvido e tomar parte daquela experiência e não ser apenas um receptor passivo. Todas essas questões são importantes no sucesso da editora.

 

4 – Em sua opinião, a legislação brasileira atrapalha de alguma maneira o desenvolvimento do setor editorial de HQ no Brasil?

O principal problema é o custo de produção, inclusive tributário. O preço do papel tem aumentado muito ao longo dos anos. Há editoras que preferem imprimir os produtos fora do país e importa-los de volta ao Brasil. O frete também é caro, tornando difícil vender a publicação diretamente ao consumidor final. O imposto sobre as vendas também diminui a capacidade de oferecer promoções e preços mais acessíveis no mercado.

 

5 – A editora já utilizou alguma política ou programa público de apoio na produção dos quadrinhos? Se sim, qual(is)?

A editora tentou algumas vezes participar de editais do PNLD, porém, além da escassez de recursos e burocracia, dificilmente os quadrinhos conseguem ser enquadrados como obras didáticas ou paradidáticas para as finalidades do chamamento. Nunca utilizamos leis de incentivo à cultura para nossas publicações.

 

6 – Em sua opinião, qual(is) políticas públicas poderiam ser adotadas para incentivar o desenvolvimento do mercado de quadrinhos no Brasil?

É preciso desconstruir um certo preconceito de que quadrinhos são unicamente para o público infantil ou para apenas para o entretenimento. No Brasil, muitas crianças já alfabetizadas com os gibis, mas essa é apenas uma das possíveis funções desse tipo de publicação.

 

Existe um enorme potencial de uso dos quadrinhos para fins educacionais. As experiências sócio educacionais que se valem desse tipo de publicação se mostram muito exitosas, mas é preciso de apoio para criação de programas e mais cases que sirvam paradigma.

 

Esse apoio não é apenas financeiro, mas de desburocratizar a possibilidade das editoras, entidades de terceiro setor e escolas poderem articular essas ações, além de mudar essa mentalidade sobre a função dos quadrinhos.

 

Iniciativas como essa já podem ser vislumbradas ao redor do mundo. A França tem linhas específicas para serem distribuídas em escolas. Em uma das publicações, por exemplo, apresenta-se primeiramente um quadrinho e na sequência um artigo científico. Há diversos trabalhos sobre figuras e fatos históricos. Não faltam bons trabalhos que possam ser adotados para essas finalidades.

 

As histórias em quadrinho são arte e cultura. Elas colaboram para o enriquecimento intelectual. Seria muito desejável uma política de formação de leitores que pudesse reconhecer essa dimensão.

 

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