Imagine-se em um dia de calor tomando um refrigerante… Você abre a garrafa daquele líquido refrescante quando percebe que, ao invés de matar a sua sede, você vai passar a ter alguns problemas. Isso mesmo, o refrigerante estava estragado, e você, sabendo dos seus direitos, vai até o Juizado de Pequenas Causas (i. e. Juizado Especial Cível) mais próximo e move uma ação contra o danado do refrigerante. Claro: “para essa ‘turma do refrigerante’ saber que não se deve fazer isso com o consumidor.”
Pois, então, acredite em mim, a marca de refrigerante que você pode vir a processar não tem nada ou quase nada a ver com a empresa que realmente faz a bebida que você tomou. Muito embora ela possa e deva, sim, ser eventualmente responsabilizada a indenizar você.
Por outro lado, se você é um empreendedor, você precisa realmente perceber o que significa essa diferença entre a marca e a empresa que está por trás do produto ou serviço que recebe o sinal distintivo estampado na cara.
A marca que esta à frente
Podemos começar dizendo que a economia contemporânea, desde pelo menos os anos 1970 e 1980, tem passado por uma forte guinada de aumento da intangibilidade. Isso significa que o que agrega valor às atividades de mercado tem passado da capacidade de produzir e do volume de capital para coisas, digamos assim, mais maleáveis. Ao lado da propriedade intelectual de um modo geral, podemos colocar como a mais representativa dessas coisas maleáveis a tal da marca. Não é à toa que as marcas mais valiosas atualmente são cotadas muito acima do que empresas detentoras de grandes parques industriais ou ativos enormes.
É neste ponto que devemos lembrar que uma marca é, basicamente, um sinal distintivo voltado para o mercado, ou seja, uma forma de distinguir o seu produto ou atividade dos outros que estão fazendo a mesma coisa que você. E distinguir como? Por que? Para quem?
Para a primeira das perguntas seria necessária uma incursão mais no plano da neuropsicologia, da linguística, da sociologia e do design visual que efetivamente do direito. Pois, atualmente, esses são os ramos mais vinculados com o desenvolvimento de marcas. Há tanto de psicologia nas cores, formatos, slogan e demais componentes de uma marca que qualquer menção nossa a esse universo seria não mais que arriscar-se em um campo desconhecido.
O que podemos afirmar é que a conjunção de diversas áreas de conhecimento é o que deságua na construção de uma marca, ou seja, o como fazer uma marca passa por atingir variados níveis de satisfação e apreensão de conteúdo, significado, sensações e associações que não podemos fazer mais do que passar para a frente este ponto com essas informações em mente…
Quando perguntamos o “porquê” de uma marca, enfrentamos a resposta mais pragmática e concisa possível: para vender, para fazer dinheiro. A marca é um meio de fixação de uma ideia, de uma proposta de atendimento, de uma maneira de ser que visa atingir maior mercado. Seja protegendo o dono da marca de outros produtos e serviços similares, seja fixando uma identidade em relação àquilo que se faz e como se faz.
Por fim, perguntar um “para quem” parece a coisa mais sutil do mundo e assim é! Não há duvida que, de um modo direto ou indireto, a marca visa atingir o consumidor. Falamos aqui das mais vastas espécies de consumidores não apenas do nosso imaginário comprador de refrigerantes. Por isso, é bom lembrar a existência de marcas que investem em cargas fortíssimas de fixação de identidade, mesmo sendo voltadas para um público consumidor extremamente restrito.
Podemos citar por exemplo empresas aeroespaciais, mineradoras etc., pois, convenhamos, a médio prazo, por exemplo, ninguém ainda se imagina voando em um foguete da Space X, mas a forma como esta empresa investe na fixação de uma marca e das ideias no seu entorno é notável, embora seus clientes diretos sejam governos e grandes corporações do ramo das telecomunicações. Em duas palavras, quando perguntamos “para quem” em relação às marcas a resposta é um singelo: “para você”.
Resposta que, por si, já daria um belo slogan.
E o Direito?
Daí então você pergunta: “e o Direito?” Sim, o Direito está logo no primeiro parágrafo deste texto, pois, quando nosso consumidor de refrigerantes adquiriu aquele líquido aparentemente delicioso, ele estava comprando de uma empresa, na maior parte das vezes desconhecida, que era licenciadora, ou algo similar, da marca que estava estampada na garrafa. E essa situação vem de uma construção bem jurídica e que eu vou tentar resumir em dois aspectos, um voltado para o empreendedor da economia criativa e outro voltado para o consumidor.
Primeiro, é importante que todo o empreendedor saiba que o que eu chamei mais acima de intangibilidade e maleabilidade pode ser um ativo muito relevante para o seu projeto.
Sabemos que um projeto, principalmente dentro da economia criativa, significa muito mais que um produto propriamente dito. Ou seja, você, empreendedor da economia criativa, pode tentar lançar, várias vezes, um projeto que tenha a “sua cara”, o “seu jeito”, o “seu modo de fazer”. Esse projeto pode ser primeiro um jogo de computador, depois um curso de programação, depois um grupo de viagens e, por fim, acabar dando certo quando você lançar uma coleção de camisetas.
Não sei se ficou claro onde eu queria chegar, mas o que eu tentei explicar é que, tal como as marcas mais notórias de hoje, fica muito, mas muito, difícil dizer onde está o foco de atividade representado por um sinal distintivo. As marcas estão cada vez mais pulverizadas em inúmeros ramos de atividade, e se reproduzem em diversos produtos e serviços ao bel prazer de quem – empresa prestadora ou fornecedora deste produto ou serviço – deseja associar seu produto a uma marca. Ou vai dizer que você não conhece aquela marca de refrigerantes que tem também uma marca de roupas, de tênis, e com seus logotipo em celulares, carros ou onde que quer que seja.
Enfim, utilizar uma marca está cada vez mais voltado literalmente à tal “distinção”, da intangibilidade e da maleabilidade que pode ser plasticamente aplicada em outras atividades, produtos, serviços e tudo que, em mercado, queira receber uma “carinha” do signo que ela carrega, ou seja, o seu “modo de ser”.
Já para o consumidor a coisa é um pouco mais embaixo.
E um pouco mais embaixo, porque, você, senhor consumidor, não pode ser obrigado a saber se a marca XYZ esta sendo usada pela empresa ABC ou CBA quando na realidade pertence a empresa ACB que licenciou para as duas outras para elas colocarem nos seus produtos, respectivamente, um par de tênis e uma prancha de surf. Exigir isso seria criar o risco de, como contamos acima, tomar o refrigerante estragado e não ter contra quem mover uma ação no Juizado de Pequenas Causas (i.e., com ênfase, Juizado Especial Cível)…
Isso porque, quando movemos uma ação judicial, temos que indicar uma pessoa (física ou jurídica) responsável para tomar a posição de parte em um processo. Devemos indicar alguém que deve, a princípio, se responsabilizar por aquilo que o juiz decidir se, por exemplo, ele julgar que o refrigerante estava realmente estragado.
Mas eu leio o rótulo…
Sim, você pode até dizer que lê os rótulos dos produtos que adquire para saber certinho quem fabricou e é contra essa empresa que você vai buscar justiça. E, nesse caso, meus parabéns, mas o problema persiste, pois se você é um consumidor atento vai perceber que nem sempre conseguimos identificar a empresa que efetivamente produziu ou prestou o serviço.
Daí fica a questão, senhor consumidor, uma marca pode se responsabilizar por um dano decorrente de um problema ou qualquer outro efeito atribuível a um produto ou serviço que receba seu sinal distintivo? A resposta, a princípio, é um sonoro não… Pelo simples fato de que uma marca não tem personalidade jurídica, não é uma pessoa, uma marca é um sinal distintivo, e tudo o mais que dissemos acima.
Assim a “turma do refrigerante” não é a empresa que teria a personalidade jurídica para responder pelo refrigerante estragado. A “turma do refrigerante” é uma marca que identifica um produto que poderia estar vinculado à camiseta da “turma do refrigerante”. Ou você realmente acha que você pode processar a fábrica de refrigerantes por um problema na camiseta que tem a marca da “turma do refrigerante”?
Que bom que você não ficou desestimulado com essa pergunta, porque talvez você possa sim.
A pergunta para a questão: “Ei, eu posso processar uma marca?” para não acabar com toda a ideia de proteção na relação de consumo, poderia até receber, em vez de um sonoro “não”, um comedido “talvez”. Para isso, teríamos que pensar, dentro dessa mesma lógica, o que fazer para tomar medidas conta marcas e, por rabeira, contra as empresas por trás das marcas. Isso quando a pessoa jurídica que seria responsável pelo defeito no produto ou serviço não é a dona de uma marca, mas apenas uma empresa que está pagando para vincular esse nome e essa ideia ao seu produto ou serviço.
Já adianto que a proteção dada a um consumidor é bem ampla nesse contexto, sendo, inclusive, possível que um pedido de indenização possa ser movido em relação a toda a cadeia de fornecimento. Ou seja, o senhor consumidor pode processar o supermercado que vendeu seu refrigerante, a fábrica que fez seu refrigerante, a empresa de transporte que transportou o refrigerante da fábrica ao mercado, seguido de um enorme, etc. Mas a marca em si ele não poderia, pois como dissemos ela não é a própria empresa.
E, de fato, o sistema de defesa dos consumidores tenta diminuir esse problema com algumas técnicas, dentre elas, posso destacar uma chamada “Teoria da Aparência”. Por essa hipótese, o juiz, quando encontra um pedido de um consumidor que comprou a camiseta da “turma do refrigerante”, pode julgar que a responsabilidade é da empresa dona da marca, ou produtora da bebida ou qualquer que seja, embora, a verdadeira dona da empresa seja a fabricante de camisetas. Isso se dá com base na presunção de que esse consumidor adquiriu o produto pela aparência que o atraiu para a compra, ou seja, justamente pelo signo de confiança vinculado à imagem da marca estampada no produto ou serviço.
Evidente que esse método aumenta a proteção ao consumidor. Mas, de fato, outra coisa seria se o sistema processual aplicasse uma forma mais eficiente para buscar as marcas vinculadas a cada produto e a respectiva responsabilização. E, vou falar, isso já é possível com algumas ferramentas previstas em Lei…
Há dois anos, desde o novo Código de Processo Civil, as empresas de médio e grande porte são, por Lei, obrigadas a cadastrar seus nomes em uma lista dos tribunais, esse cadastro visa, a princípio, automatizar a comunicação entre o tribunal e as empresas. É por esse cadastro que, por exemplo, uma empresa receberia uma informação de que um processo foi movido contra ela.
No meu modo de ver, essa lista seria de muita ajuda para evitar desvios e desesperos com o cenário que pintamos mais acima. Seria contribuir para que uma empresa, que produz ou presta um serviço sob o símbolo de uma marca licenciada por uma outra empresa, responda mais facilmente em relação a um consumidor, considerando que o que estava verdadeiramente aparente era a dita marca e não os dados da pessoa jurídica por trás dela.
Bastaria para tanto, acrescentar nessa lista uma coluna com as marcas que a referida empresa tem licenciadas e o tipo de produto e de atividade, permitindo que o consumidor mais desatento possa, sim, ir a juízo contra a “turma do refrigerante” seja pelo tênis, pela camiseta ou mesmo pelo refrigerante, se ele entender que algum desses produtos lhe causou danos de consumo. Considerando tudo o que dissemos acima sobre hoje os consumidores estarem em relação muito mais direta com as marcas do que efetivamente com as empresas.
Saber qual das empresas deve ressarcir o consumidor isso já não é tanto a questão para esse post, mas, certamente, estando todas de fácil acesso ao próprio tribunal iria facilitar muito as coisas.
A propósito, a lista de empresas na maioria dos tribunais ainda não existe, embora a Lei assim determine. Nesse meio tempo, é melhor mesmo continuar lendo os rótulos com bastante atenção.