O Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes entrevistou Fernanda Sereno, uma das fundadoras e responsáveis pelo evento “Diversão Offline”. Conversamos sobre questões econômicas e jurídicas do mercado de boardgames e cardgames no Brasil.
- Como você começou a atuar nessa área?
Desde criança joguei os jogos clássicos de tabuleiro. Existia uma lembrança emocional, especialmente com Detetive. Aos poucos, fui tomando contato com jogos mais modernos como Zombiecide. Dois amigos tiveram a ideia de um evento sobre o assunto que fosse mais que um encontro de jogadores. Depois da primeira edição do Diversão Offline, entrei como sócia da empresa que atua na organização.
- Como surgiu o Diversão Offline?
Nós pensamos que seria interessante ter um evento que fosse além de um encontro de jogadores. Queríamos debater o assunto sob diferentes perspectivas, do hobby ao empreendedorismo.
A primeira edição aconteceu em novembro de 2015, no Rio de Janeiro, e contou com cerca de 800 pessoas. Desde o começo, tínhamos uma pretensão de crescer e ser uma referência. Assim, fizemos investimentos pessoais para que o evento realmente acontecesse.
A última edição, que aconteceu em março de 2018, em São Paulo, contou cerca de cinco mil participantes.
- Que tipos de atividades acontecem no Diversão Offiline?
O “Diversão Offiline” recebe empresas que produzem e comercializam os jogos. Além disso, são feitos lançamentos, competições, concursos de protótipos, painéis de discussão e palestras.
A parte de teste dos protótipos é um destaque e há dois anos recebe o apoio da plataforma de crowdfunding Catarse.
Nosso grande objetivo é contribuir para a formação de um ecossistema de desenvolvedores e para sua profissionalização. Muitos contratos na área saíram do evento.
- Quantas empresas de produção e/ou distribuição de jogos participaram da última edição do Diversão Offline?
Na última edição, participaram cerca de 26 empresas ligadas diretamente à produção e distribuição de jogos. Essas são praticamente todas as editoras do Brasil.
- Em sua opinião, o mercado internacional de jogos de tabuleiro, cartas e similares está crescendo? E o nacional? Quais são os indícios?
Sim, é possível verificar um crescimento do mercado nacional e internacional.
Há uma projeção de que em 2017 foram lançados cerca 3.400 títulos internacionais. A arrecadação no Kickstarter teria batido os 4 milhões de dólares.
Vi uma estimativa de que o setor cresceu 300% no país, entre 2013 e 2015. Foram 58 lançamentos de jogos em 2014, 82 em 2015, 124 em 2016 e 210 em 2017. Este ano já estamos computando 95 novos jogos, só no primeiro trismestre. O setor teria movimentado também aproximadamente 600 mil reais em plataformas de crowdfunding nacionais.
- Você conhece algum estudo de impacto econômico do setor de jogos?
Não conheço, mas seria uma produção bastante relevante. Tenho notícia de pesquisas em outras áreas sobre o setor, por exemplo, no campo da antropologia.
- Quais são as dificuldades narradas por desenvolvedores e empresas brasileiras para o desenvolvimento de seus negócios?
Por parte das empresas, a principal questão é carga tributária. Os custos de produção e sobretudo de importação de itens são muito elevados.
Há também um gargalo no tempo de chegada e liberação aduaneira no Brasil – o que compromete inclusive o cumprimento dos prazos prometidos nos financiamentos coletivos.
Existe ainda um problema com o fornecimento de serviços de gráfica. Como as tiragens não costumam ser grandes, as gráficas costumam priorizar pedidos maiores. Além disso, não são todas as empresas que conseguem produzir os elementos do jogo como cartões, caixas, miniaturas, etc. Hoje em dia, essa questão está melhor em razão da abertura de duas gráficas especializadas: a Game Maker e Ludens Lab. Elas fazem inclusive a produção de miniaturas – que antigamente tinha que ser através de importação.
Um outro problema diz respeito à profissionalização dos agentes desse mercado. Existem muitos profissionais talentosos e que são inclusive contratados para trabalhar no exterior. Porém, nem todos sabem como se organizar formalmente e organizar sua carreira. Desenvolvedores nacionais, por exemplo, têm dificuldade em conseguir caminhos para viabilizar a distribuição e comercialização de suas criações.
- Em sua opinião, o que poderia ajudar o mercado no Brasil a crescer?
Primeiramente, uma política tributária mais atrativa para as empresas. Não há estímulo para formalização das empresas em razão do custo operacional, burocrático e tributário. Há vontade e interesse em empreender, mas não há facilidades para legalizar. O sistema tributário só agrava a dificuldade de o produto nacional competir com o importado.
Em segundo lugar, há pouca disponibilidade de crédito para o desenvolvimento de projetos. O sistema financeiro e as políticas públicas de fomento não contemplam o setor. Seria interessante, por exemplo, que leis de incentivo à cultura pudessem financiar esse tipo de iniciativa.
Finalmente, entidades como o SEBRAE e SENAI poderiam colaborar com a profissionalização e formalização de empreendedores dessa área.
- Em sua visão, quais são as principais questões jurídicas dos agentes desse mercado?
Acho que as principais dúvidas são sobre a formalização do negócio como empresa, quando e quais contratos devem ser firmados com os participantes do desenvolvimento e comercialização e como proteger o projeto de acordo com as regras de propriedade intelectual.
Foto por Jaciel Melnik. In: Unsplash.