Os direitos culturais foram previstos pela primeira vez, no plano internacional, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, que os qualificou como indispensáveis à dignidade e ao livre desenvolvimento da personalidade. [1] Desde então, foram diversos tratados, declarações e convenções versando diretamente sobre os direitos culturais.
A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 215, prevê que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
No texto constitucional, é possível encontrar alguns exemplos do que a doutrina especializada usualmente considera como espécies de direitos culturais. São eles: o direito autoral (artigo 5º, XXVII e XXVIII), o direito à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (artigos 5º, IX, e 215, §3º, II), o direito à preservação do patrimônio histórico e cultural (artigos 5º, LXXIII, e 215, §3º, inciso I); o direito à diversidade e identidade cultural (artigo 215, caput, § 1º, 2º, 3º, V, 242, § 1º); e o direito de acesso à cultura (artigo 215, §3º, II e IV).
Entretanto, passados quase sessenta e cinco anos de sua proclamação, ainda não existe um consenso sobre quais são esses direitos culturais, qual o seu conteúdo e o que pretendem tutelar. Isso se dá, sobretudo, pela própria fluidez do conceito de cultura.
Assim, para tentar trazer um pouco de clareza ao tema, citamos uma série de conceituações de diversos autores:
José Ricardo Oriá Fernandes: Direitos culturais são aqueles em que “o indivíduo tem em relação à cultura da sociedade da qual faz parte, que vão desde o direito à produção cultural, passando pelo direito de acesso à cultura até o direito à memória histórica” [2]
Humberto Cunha Filho: “… os direitos culturais são aqueles afetos às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, que asseguram aos seus titulares o conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão e decisão de opções referentes ao futuro, visando sempre a dignidade da pessoa humana” [3]
Alessane N`Daw: “… direitos culturais para cada povo consistem essencialmente no poder de manter, de fazer renascer, desenvolver e difundir os seus valores próprios. Para os indivíduos, estão ligados à exigência de condições econômicas e sociais capazes de assegurar a cada homem a possibilidade de desenvolver, ao máximo grau, o seu potencial criador, que está ligado à formação de sentimentos estéticos e à aquisição de conhecimento que permitam ao espírito exercer o seu direito de crítica.” [4]
Farida Saheed: “… os direitos culturais protegem os direitos de cada pessoa – individualmente, em comunidade com outros e como grupo de pessoas – para desenvolver e expressar sua humanidade e visão de mundo, os significados que atribuem a sua experiência e a maneira como o fazem. Os direitos culturais também podem ser considerados como algo que protege o acesso ao patrimônio e aos recursos culturais que permitem a ocorrência desses processos de identificação e desenvolvimento.” [5]
Patrice Meyer-Bisch: “Os direitos culturais podem ser definidos como os direitos de uma pessoa, sozinha ou coletivamente, de exercer livremente atividades culturais para vivenciar seu processo nunca acabado de identificação, o que implica o direito de acender aos recursos necessários para isso. São os direitos que autorizam cada pessoa, sozinha ou coletivamente, a desenvolver a criação de suas capacidades. Eles permitem a cada um alimentar-se da cultura como a primeira riqueza social; eles constituem a substância da comunicação, seja com o outro ou consigo mesmo, por meio das obras.” [6]
Particularmente, já defendi em artigos acadêmicos que os direitos culturais são aqueles que tutelam a criação, transmissão, preservação e distribuição do patrimônio e do capital cultural, atividades essas basilares ao desenvolvimento da identidade e das capacidades do ser humano. Deixemos o aprofundamento dessa proposta teórica para outra oportunidade.
Por fim, vale dizer que o tema dos direitos culturais, apesar de oferecer um campo muito fértil de estudos, ainda tem uma agenda de pesquisa incipiente ao nosso ver – não apenas no Brasil, não apenas no campo do direito. Deixamos, portanto, o convite para que novos estudos a esse respeito.
Abraços e boas ideias!
[1] Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Artigo XXII – Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXVII – 1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.
[2] FERNANDES, José Ricardo Oriá. A cultura no ordenamento constitucional brasileiro: impactos e perspectivas. In: ARAÚJO, José Cordeiro de; PEREIRA JÚNIOR, José de Sena; PEREIRA, Lúcio Soares; RODRIGUES, Ricardo José Pereira. Ensaios sobre impactos da Constituição Federal de 1988 na sociedade brasileira. Brasília: Centro de Documentação e Informação, 2008, p. 207
[3] CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Os direitos culturais como direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 34.
[4] N´DAW, Alessane. Cultura universal e culturas nacionais. In: UNESCO. Os direitos culturais como direitos do homem. Tradução de Mário Salgueirinho. Porto: Telos, 1970, p. 46-47.
[5] COELHO, Teixeira. O novo papel dos direitos culturais: Entrevista com Farida Shaheed, da ONU. In: REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL. Direitos Culturais: um novo papel. Número 11, Jan./abr, 2011. São Paulo: Itaú Cultural, 2011. Pp. 19-20.
[6] BISCH, Patrice-Meyer. A centralidade dos direitos culturais, pontos de contato entre diversidade e direitos humanos. In: REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL. Op. Cit. p. 28.
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