Em 2010, o artista de rua anônimo Banksy, mundialmente famoso por seus graffitis provocativos, em visita à cidade de Detroit, nos Estados Unidos, pintou um mural em um terreno de uma fábrica de automóveis desativada, a “Packard Motor Car Company”. Os integrantes de uma organização local, proprietária da galeria “555 Non-Profit Gallery and Studios”, sabendo da existência do mural decidiram retirá-lo antes que pudesse ser destruído, pois o prédio da antiga fábrica, já bastante avariado, estava em processo de demolição. O mural, retratando um garoto segurando uma lata de tinta vermelha ao lado dos dizeres “I remember when all this was trees” (“eu me lembro de quando tudo isto eram árvores”), foi então exposto gratuitamente na galeria. Logo que soube do ocorrido, o proprietário do terreno, após solicitar sem sucesso à galeria a devolução do mural, iniciou ação judicial, alegando que este teria sido retirado ilegalmente e que provavelmente poderia ser avaliado em mais de 100 mil dólares. O juiz responsável pelo caso determinou que o mural continuasse em posse da galeria “555” até que fosse determinado em juízo quem seria o seu real proprietário. A questão acabou sendo resolvida por um acordo entre as partes. A Galeria “555” teve a propriedade sobre o mural reconhecida e pagou ao proprietário do terreno um valor de 2500 dólares.
Algumas questões jurídicas importantes perpassam esse caso, mesmo que as partes tenham chegado a um acordo sem maiores complicações. Discussões sobre posse e propriedade e direitos autorais relacionados à arte de rua têm vindo à tona à medida que aumenta sua aceitação por parte do público em geral e do mercado de arte. No caso específico, a alegação inicial de que a propriedade plena do terreno, que incluiria os bens que nele se encontravam, não autorizaria a retirada do mural poderia ser contraposta pelo fato de que o mural foi pintado sobre uma das poucas paredes que ainda estavam de pé em um prédio destinado à demolição e que sua retirada foi autorizada pelo supervisor da demolição a serviço do proprietário, o que sugere que este não tinha a intenção de reter a propriedade sobre os bens que ali se encontravam. O fato de o mural ter sido retirado de seu local e estado original poderia, por outro lado, ser desaprovado pelo seu autor, Banksy. Aliás, houve desde então um bom número de casos de retirada de murais desse artista de seus suportes originais para posterior comercialização por terceiros. De qualquer forma, o objetivo principal da retirada do mural nesse caso parece ter sido o de salvá-lo da demolição.
Quanto aos direitos autorais, o Direito norte-americano normalmente se utiliza da “first sale doctrine”, pela qual o proprietário pode comercializar ou exibir livremente uma obra depois que ela tenha sido vendida pelo seu autor. No caso, não houve venda, mas aparentemente um abandono da obra e dos direitos autorais dela advindos. Houve uma discussão entre alguns juristas sobre se aquela doutrina seria aplicável nesse tipo de situação, inclusive pois, em meio à controvérsia, um outro mural de Banksy, retratando um canário amarelo em uma gaiola, foi encontrado no mesmo terreno, dessa vez pelo seu proprietário. A obra foi também removida e foi colocada à venda no site Ebay, mas não atingiu o preço mínimo e acabou não sendo vendida; desde então, não se tem notícia sobre seu paradeiro.
Para mais detalhes sobre o caso e as discussões que suscitou:
BANDLE, Anne Laure; RENOLD, Marc-André; WALLACE, Andrea. “Case Banksy Mural – Bioresource, Inc. and 555 Nonprofit Studio/Gallery.” ArThemis, Universidade de Genebra, Agosto 2013. Disponível em: https://plone.unige.ch/art-adr/cases-affaires/banksy-mural-2013-bioresource-inc-and-555-nonprofit-studio-gallery
KARMEL, Dan. “Off the Wall: Abandonment and the First Sale Doctrine.” Columbia Journal of Law and Social Problems 45(3), 2011-2012. Disponível em: http://jlsp.law.columbia.edu/wp-content/uploads/sites/8/2017/03/45-Karmel.pdf