“Warm kitty, soft kitty, little ball of fur; Sleepy kitty, happy kitty, Purr! Purr! Purr!” Se você conhece “The Big Bang Theory” deve ter imaginado que citamos uma música bastante recorrente no seriado. Porém, na verdade, esta é a transcrição de um poema infantil publicado pela enfermeira Edith Newlin em 1937, no livro Songs for the Nursery School. Sim, 70 anos antes da estréia da comédia.
Em 2015, as herdeiras de Newlin entraram com uma ação contra a Warner reclamando o uso não autorizado do poema, indicando sua reprodução em diversos episódios e merchandising de Big Bang Theory. O processo acabou sendo julgado improcedente por uma peculiaridade da legislação americana. “Warm Kitty” foi publicado durante a vigência da Lei de Copyright de 1909, que garantia uma proteção inicial de 28 anos, prazo este que podia ser estendido desde que houvesse um pedido de renovação pelo interessado – o que não ocorreu.
Por outro lado, a editora responsável pela publicação havia solicitado a renovação dos direitos pelo livro. E nesse caso? Isso não seria suficiente? A corte entendeu que não, uma vez que autoria dos textos individuais é diferente da proteção da compilação. [2]
Esse caso é um gancho interessante para lembrarmos dois pontos acerca da realidade brasileira.
Em primeiro lugar, a Lei de Direitos Autorais (Lei n.º 9.610/98) não exige o registro como condição para a proteção de obras [1]. Isso significa que a tutela legal não depende de qualquer “burocracia” específica em um órgão oficial (um carimbo, um registro, uma chancela etc). Para receber tal proteção, basta que a obra cumpra os demais requisitos de originalidade e expressão previstas no artigo 7º.
Em segundo lugar, vale esclarecer que também no Brasil se reconhece a diferença entre proteção dos autores (individualmente) e daquele responsável pela compilação. Eis que o artigo 17, § 2º, dispõe justamente o seguinte: “Cabe ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva.” Por consequência, ninguém pode utilizar a obra coletiva sem a prévia e expressa organização daquele que a organizou. Do mesmo modo, o prazo de proteção de cada um dos textos e da compilação também será contado de maneira diferente – a depender do caso a caso.
Voltando ao caso “Warm Kitty”, é interessante ver como após tantos anos de discussões judiciais sobre direitos autorais e copyright, continuamos nos deparando com “temas frescos” e desafiadores. É claro, em outros tempos, sob a vigência da nova legislação, talvez o desenrolar do caso fosse outro.
[1] Lei de Direitos Autorais: Art. 18. A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro. Art. 19. É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no caput e no § 1º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973. Art. 20. Para os serviços de registro previstos nesta Lei será cobrada retribuição, cujo valor e processo de recolhimento serão estabelecidos por ato do titular do órgão da administração pública federal a que estiver vinculado o registro das obras intelectuais. Art. 21. Os serviços de registro de que trata esta Lei serão organizados conforme preceitua o § 2º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973.
[2] Cf. US NEWS. Late teacher’s heirs sue producers of ‘The Big Bang Theory,’ alleging copyright infringement. 2018, Link. STEMPEL, Jonathan. Lawsuit claiming ‘Big Bang Theory’ stole ‘Soft Kitty’ is dismissed. 2017, Link. LOEB & LOEB LLP. Chase v. Warner Bros Entertainment, Inc. 2017, link. UNITED STATES DISTRICT COURT SOUTHERN DISTRICT OF NEW YORK. Chase v. Warner. Memorandum and order. Link.
Foto: CBS/Facebook/Divulgação.