Recentemente, a Wizards of the Coast, companhia que explora o jogo de cartas Magic: The Gathering, foi alvo de uma nova polêmica com seu produto para comemoração do aniversário de 30 anos. De um lado, o público apresentou severas críticas sobre o custo da edição: mil dólares por 4 boosters (os “pacotinhos” de cartas). De outro, os artistas dessa primeira edição não foram consultados ou informados sobre o assunto.
Mas, afinal, a empresa precisaria mesmo informá-los ou pedir autorização no lançamento de uma nova edição? Vamos aproveitar esse caso para retomar alguns aspectos básicos dos direitos autorais.
A legislação garante ao autor o direito exclusivo de utilização, exploração e disposição de sua obra (os chamados “direitos patrimoniais de autor“). Isso significa que qualquer interessado em usar a obra deverá primeiramente negociar com o criador essa forma de aproveitamento desejada.
Normalmente, as operações envolvendo direitos autorais podem ser de dois tipos: licenciamento, que é uma autorização com um escopo mais simples (uma só finalidade, tempo determinado, em um dado território e assim por diante), ou cessão de direitos, que é a transferência dos direitos (ou parte destes) sobre a obra.
Assim, quando uma companhia contrata um ilustrador para produzir um trabalho que será usado em um jogo, essas partes precisam detalhar os detalhes do uso da ilustração em um contrato. Na maioria dos países, a lei dá uma grande liberdade de negociação dos termos desse serviço e do uso do trabalho resultante.
A empresa, evidentemente, terá interesse em obter uma cessão (transferência) de direitos o mais ampla possível, dando-lhe liberdade de exploração da obra produzida. Porém, a verdade é que as partes podem combinar diversos aspectos da operação, tais como:
a) Remuneração será fixa e feita só uma vez e/ou por meio de royalties (participações nos resultados);
b) Se vale para um prazo determinado ou até a obra entrar em domínio público;
c) Se a empresa pode ou não alterar a obra e até chamar outros artistas para fazer retoques;
d) Se a empresa tem alguma limitação de tiragem ou de forma de uso da arte;
e) Se há alguma forma específica de atribuição de créditos, entre outras questões.
O importante é que esses detalhes sempre estejam em contrato! Sobretudo porque no Brasil a cessão de direitos somente ocorre por meio escrito. Além disso, se as partes se “esquecerem” de colocar alguma previsão, é a própria lei que vai trazer os limites e a forma de interpretação do contrato – o que pode acontecer de modo diferente do esperado.
Vale mencionar também que nos Estados Unidos existe a figura do work fo hire (“trabalho sob encomenda”), no qual a empresa contratante efetivamente vira “dona” da obra produzida pelo artista. No Brasil, a produção sob encomenda estava prevista na lei anterior (de 73) mas não na atual (Lei 96.10/98). Isso não significa que o contratante não possa ser o futuro proprietário da ilustração, mas isso deve estar expresso em contrato. Ou seja, pagar pelo serviço não equivale a obter a cessão dos direitos sobre o resultado desse serviço.
Desse modo, respondendo a questão da Wizards e do Magic: tudo depende do contrato firmado com os artistas na época das primeiras edições. Se a empresa teve o cuidado de providenciar a cessão dos direitos (seja no contrato original, seja em posterior aditivo), de forma bastante ampla, ela realmente não precisará consultar ou informar os artistas sobre novas utilizações. Se não houver essa previsão, vale a regra geral: a empresa precisa renegociar o uso.
No vídeo abaixo, Elba do canal Fazendo Nerdice entrevista um desses artistas das primeiras edições do jogo. Ele vai explicar um pouco mais do assunto e dessa polêmica, pois os contratos originais foram feitos para a primeira tiragem. Recomendamos muito que você assista pois esclarece como o contrato é o ponto central desse “pode” ou “não pode”:
Créditos da foto: Photo by Ryan Quintal on Unsplash