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Arte de Rua em São Paulo: Parte I

Olhando pela janela do ônibus, do carro, andando de bicicleta ou a pé, os moradores da cidade de São Paulo, a 7ª cidade mais populosa do planeta Terra, assistiram ao prefeito eleito, João Dória (PSDB), iniciar o programa “Cidade Linda” já nos primeiros dias de seu mandato, apagando diversos painéis de arte de rua na cidade.

 

O objetivo do programa, segundo Dória, é revitalizar áreas degradadas da cidade, por meio de serviços de manutenção e limpeza dos jardins, dos monumentos e das calçadas. Segundo o comunicado oficial da Prefeitura, “o principal objetivo é a melhora na zeladoria urbana e o resgate da autoestima do paulistano, em ação integrada entre poder público, iniciativa privada, ONGs e cidadãos.”.

 

Na prática, nosso prefeito está coordenando uma ação de “limpeza” da cidade que, além de limpar as ruas, jardins, calçadas, visa apagar toda a arte de rua disponível e, futuramente, confiná-la em um “grafitódromo”. Os trabalhos já foram iniciados desde o dia 02 de janeiro e incluem a Av. 9 de Julho, Av. Paulista, Av. 23 de Maio, Av. Santo Amaro, Av. Tiradentes, Av. Mateo Bei, A. Ipiranga, Av. São Luis, Centro Histórico da cidade (Praça da Sé, Líbero Badaró e Pateo do Colégio) e Av. Cruzeiro do Sul.

 

Ocorre que a cidade deve ser plural, democrática, participativa e inclusiva. Durante mais de um mês ficamos nos perguntando: mas ele pode mesmo fazer isso? Quem decide o que é arte e o que não é? Quem ali decide qual muro deve ser pintado e qual deve ser mantido?

 

Até 13/02/2017, o órgão responsável por essas decisões era a Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), que entende que o grafite não é patrimônio cultural para efeitos de proteção. Esse entendimento permite que o prefeito faça quaisquer mudanças paisagísticas na cidade, já que não estaria prejudicando seu patrimônio cultural, mas somente fazendo alterações de caráter visual.

 

No entanto, em 14/02/2017, o juiz Adriano Marcos Laroca, da 12º Vara da Fazenda Pública, concedeu uma liminar na ação popular contra a remoção de pinturas, desenhos ou inscrições caligrafadas em locais públicos. De acordo com a decisão, o prefeito não pode determinar que os muros sejam pintados de cinza enquanto não forem definidas diretrizes pelo órgão municipal, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp).

 

Esse Conselho, de acordo com a Lei Municipal 10.032/1985, tem como uma de suas atribuições a preservação e valorização da paisagem, ambientes e espaços ecológicos importantes, mas sequer foi consultado antes que o prefeito iniciasse a remoção das pinturas pela cidade. Vale lembrar ainda que, em recente pesquisa, a DataFolha constatou que 85% dos moradores entrevistados são favoráveis aos muros e fachadas coloridos com a arte de rua.

 

Pintando os muros de cinza, portanto, o prefeito não só estaria desagradando os moradores, que são os principais interessados em manter a cidade viva e atraente, mas também desrespeitando as diretrizes de uma lei municipal. Com relação à conduta do atual prefeito, o juiz que determinou a suspensão da política de Dória afirmou que “A nova orientação administrativa na organização do espaço urbano público consiste, basicamente, em substituir uma manifestação cultural e artística geralmente de jovens da periferia da cidade de São Paulo por tinta cinza, de gosto bastante duvidoso, e, depois, por jardim vertical”, entendendo a importância da arte de rua para a paisagem urbana e reconhecendo-a como legítima manifestação cultural.

 

A arte de rua, como se sabe, é extremamente presente na cidade de São Paulo, que é conhecida como capital mundial do grafite e exporta seus artistas para o mundo inteiro. Interessante seria, portanto, se a Prefeitura incentivasse esses artistas e os moradores da cidade a ocupar o espaço público com a arte, encorajando as pessoas a participarem da cidade, ao invés de promover um programa de exclusão cultural.

 

Sim, o que se vê diante de toda essa discussão é arte de rua por si mesma como instrumento de representação e de luta contra a opressão, que está sendo calada e apagada arbitrariamente de nossos muros, sem qualquer consulta ou consentimento. Os desenhos, que antes refletiam críticas sociais, agora são apenas paredes invisíveis, que não proporcionam qualquer entretenimento ou possibilidade de reflexão aos cidadãos.

 

Diante da repercussão, a Prefeitura informou que “enviará, ao Poder Judiciário, um plano de ampliação e valorização dos grafites na cidade, além de um programa que prevê o encaminhamento de pichadores à prática das artes de rua”, o que também parece ser um programa de gosto bastante duvidoso por querer impor certo padrão estético à arte de rua.

 

Além disso, com o apoio de Dória, no dia 14/02/2017, foi aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei contra a pichação que traz diversos itens questionáveis. Além de fazer uma distinção muito simplificada entre grafite e pichação – artisticamente, há quem entenda que o grafite é um tipo de pichação, – o texto prevê uma multa de R$5.000 a R$10.000 para quem for pego pintando as paredes sem autorização da Prefeitura.

 

Assim, na prática, continuaremos com a mesma política atual, mas agora punindo, inclusive financeiramente, os artistas da cidade, que deverão enfrentar uma pesada burocracia para solicitar que determinada parede da cidade seja pintada de determinada forma. A Prefeitura pretende burocratizar o grafite, fazendo com que nossos painéis, antes tão coloridos, agora sejam o reflexo de um governo com vontades próprias.

 

Photo: Avenida Paulo VI, sem número, Sumaré. Foto por André Deak para o Arte Fora do Museu.

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