Durante muitos anos, a ideia de desenvolvimento foi sinônimo crescimento econômico. Todavia, percebeu-se que o mero crescimento não gerava necessariamente uma melhoria na qualidade de vida das pessoas. Por isso, os estudos sobre o desenvolvimento começaram a incorporar outros fatores e questões em suas análises. Sobretudo a partir da década de 1960, a cultura passa a ser um tema recorrente no debate acadêmico e político sobre o desenvolvimento.
Não obstante, são poucos os trabalhos que se propõem a sistematizar quais os pontos de intersecção entre esses dois assuntos. A seguir, apresentamos brevemente 10 possíveis relações entre cultura e desenvolvimento:
Identidade e diversidade cultural: uma das mais valiosas contribuições dos estudos culturais nos ensina a perceber e valorizar as diversos modos de fazer, pensar, se expressar e viver o mundo. O desenvolvimento é um fenômeno e uma escolha cultural. Logo, cada sociedade precisa construir seu projeto de desenvolvimento a partir de seus próprios sonhos, objetivos e meios, ou seja, respeitando sua própria identidade.
Eixo de crescimento econômico: os setores culturais e criativos têm demonstrado um excelente desempenho econômico, por vezes, superior às atividades tradicionais da economia. Também são responsáveis por significativo impacto na arrecadação tributária, geração de emprego e renda (com salários superiores à média nacional no Brasil), alto efeito multiplicador (capacidade de gerar reinvestimentos) e fortalecimento de cadeias ligadas ao turismo.
Matriz de valores: para alguns autores, o processo de desenvolvimento depende do conjunto de valores estabelecidos na sociedade. Tais valores orientariam aspecto básicos e estruturantes de uma comunidade, que vão desde o funcionamento das burocracias até o comportamento consumidor ou poupador dos indivíduos. Além disso, os valores acabam definindo também os próprios objetivos do desenvolvimento. A cultura, nesse contexto, é uma importante fonte de manutenção, transmissão e transformação de valores da sociedade.
A formação intelectual dos indivíduos: no contexto da economia do conhecimento/sociedade da informação, é comum afirmar que a competitividade de empresas e de países está centrada na formação intelectual dos indivíduos. Nesse sentido, o consumo e a fruição cultural são fundamentais no desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, da criatividade, do pensamento crítico e assim por diante.
Os arranjos institucionais: sobretudo a partir da década de 1990, ganharam força correntes teóricas que destacam ao papel dos arranjos institucionais na promoção do desenvolvimento. Nessa abordagem, o funcionamento de determinadas instituições pode gerar, por exemplo, um mercado mais ou menos eficiente. A cultura é um elemento estruturante e conformador das instituições, sejam elas formais ou informais.
Eixo de desenvolvimento sustentável: os setores culturais e criativos também são conhecidos pelo baixíssimo impacto ambiental. Fazer um filme, escrever um livro ou compor uma música não demanda grande consumo de insumos naturais, nem grandes estruturas físicas e tampouco gera quantidades volumosas de resíduos. Pelo contrário, muitas vezes a sustentabilidade é o fator de geração de valor de produtos e serviços (caso da moda, artesanato, design etc.).
Os laços de confiança: para algumas correntes os laços de confiança, tolerância e empatia entre os membros de uma determinada sociedade pode favorecer o bom funcionamento das instituições e do mercado em geral. Esse conjunto de elementos também é chamado de capital social. A cultura, enquanto complexo de fatores que ajuda a moldar os hábitos os indivíduos e comunidades, tem direta influencia no capital social.
Transversalidade com demais políticas: a cultura também se tornou um eixo estratégico de desenvolvimento dada a sua transversalidade e intercambialidade com diversas políticas públicas (de saúde, urbanas, educacionais etc.). São conhecidos os casos de instrumentalização da cultura para programas de transformação social de comunidades em estado de vulnerabilidade, por exemplo. De fato, políticas culturais são reconhecidas pelo seu alto grau de externalidades positivas.
Dominação e dependência cultural: outras teorias ponderam que o processo de desenvolvimento só é possível com a superação de certas estruturas de dominação econômica, política, social e cultural. Nesse contexto, a cultura desempenha um importante papel de emancipação e construção de um projeto nacional.
Cultura como objetivo do desenvolvimento: todos os pontos anteriores têm em comum o tratamento da cultura como um meio, um instrumento para a promoção do desenvolvimento. Porém, se o desenvolvimento pretende uma melhora nas condições de vida da população, a cultura pode ser um dos fins dessa ação, por exemplo, garantindo-se o pleno exercício dos direitos culturais.
Essas abordagens oferecem um amplo terreno de debate e pesquisa para diversos campos do conhecimento. No direito, são poucos os trabalhos que se debruçaram sobre a convergência entre cultura e desenvolvimento. Esperemos que essa singela reflexão possa instigar novos caminhos de estudo.
Abraços e boas ideias.
Photo by Pavan Gupta. In: Unsplash.