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5 questões jurídicas sobre a “inspiração” no desenvolvimento de jogos

Nos últimos anos, cresceu significativamente o número de desenvolvedores de jogos independentes para consoles de videogames, computador, smartphones, tabuleiro, cards e assim por diante. Muitas vezes, se começa um projeto por ser fã de uma franquia, pela diversão de jogar com amigos e até pelo simples prazer de criar.

 

Porém, quando nasce a vontade de comercializar o resultado desse trabalho ou mesmo de disponibilizá-lo de graça na internet, surgem diversas dúvidas. Uma das mais comuns: como fazer quando meu projeto foi inspirado em outros jogos ou em outras criações (quadrinhos, filmes, livros, sistemas de RPG etc.)?

 

Hoje, vamos falar sobre 5 questões jurídicas envolvendo a inspiração no desenvolvimento de jogos.

 

1. Posso usar conteúdos e criações já existentes para criar meu jogo?

Depende! A regra geral é que você deve sempre pedir autorização para usar um conteúdo – tenha ou não finalidade lucrativa. Existem algumas exceções: obras em domínio público, algumas licenças do Creative Commons, paródias, o uso de pequenos trechos, entre outras. O ideal é sempre ver no caso concreto quanto e como esse conteúdo foi utilizado no seu projeto! No caso de mera inspiração não é necessário pedir autorização.

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Smash Up e Sentinels of the Multiverse, jogos que fazem diversas referências a ícones da cultura geek. Por se enquadrar como “paródia”, é provável que seus desenvolvedores tenham optado por lançar o jogo sem pedir as respectivas autorizações.

 

 

2. O que é inspiração?

A inspiração é uma iluminação ou ideia que gera uma força criadora. A cada dia fica mais difícil dizer que existem criações totalmente originais ou inovadoras (ou será que não?). Todo mundo é influenciado pelos livros, músicas, filmes, pinturas, experiências e conhecimentos com os quais teve contato durante a vida. A inspiração tirada de outras obras e trabalhos em si não viola nenhum direito, desde que seu projeto/sua criação tenha um certo grau de originalidade e novidade. Não estamos, portanto, falando da simples cópia ou apropriação do que já existe.

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O jogo Chroma Squad, desenvolvido pela brasileira Behold Studios, foi inspirado nos seriados japoneses conhecidos como Super Sentais (Changeman e Flashman). A Sabam, “dona” desses seriados, entrou em contato com os desenvolvedores para que fosse realizado um acordo – recebendo parte dos royalties. [1]

 

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A Universal Studios chegou a processar a Nintendo em 1982 por violação de copyright, alegando que Shigeru Miyamoto havia baseado a história e o personagem Donkey Kong no filme King Kong. O estúdio acabou perdendo a disputa judicial pois o filme já havia caído em domínio público e não havia possibilidade de confusão pelos consumidores entre as duas franquias. [2]

3. O que é protegido no jogo?

Nesse caso, depende um pouco da plataforma. As criações protegidas mais comuns são: ilustrações e desenhos, personagens, história, design, nome do jogo, site, música e software. Cada um dos elementos que compõem o jogo pode ter uma proteção jurídica específica. Se você pretende comercializá-lo ou disponibilizá-lo ao público, precisa saber se tem as autorizações e licenças de todos que participaram do desenvolvimento.

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A banda The Romantics venceu processo judicial contra a Activision, desenvolvedora da franquia Guitar Hero por usar uma versão não autorizada da música “What I like about you” na versão do jogo “Rock the 80s” [3]

4. Ouvi dizer que a mecânica não é protegida. Isso é verdade?

Não exatamente. Via de regra, nossa legislação não protege as regras para jogos, ou seja, a mecânica. [4] Porém, podemos dizer que o “conjunto” dos elementos que compõem o jogo também pode ser protegido. Pense comigo: será que posso pegar toda a mecânica do card game “Magic” e fazer um novo jogo chamado “Spell”? Com outra história e outras cartas, mas mantendo as regras? Existe um grande risco desse projeto ser considerado concorrência desleal – o que é ilegal, claro. Ou seja, cuidado com a afirmação de que mecânicas não são protegidas.

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Summoner Wars é inspirado em Magic e no tradicional Xadrez

 

 

5. Já vi um monte de jogos muito parecidos. Será que todos pedem autorização? Qual o risco de usar um conteúdo ou mecânica já existente?

Muito provavelmente, nem todos pedem autorização. É claro que existe um grau de tolerância, tanto no mercado quanto no Poder Judiciário, sobre o que é inspiração e o que acaba configurando efetivamente plágio, violação de propriedade intelectual, concorrência desleal ou outras ilegalidades. O risco é sempre inversamente proporcional ao grau de novidade, originalidade, inovação e inventividade do seu projeto. Ou seja, quanto mais único e novo ele for, menor o risco de violar direitos de terceiros; e maior o grau de proteção que ele mesmo receberá da legislação.

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As desenvolvedoras do jogo Pacman, Namco e Midway, venceram processo contra a Philips por violação de copyright no jogo Munchkin. [5]

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Recentemente, o desenvolvedor do jogo Bang! perdeu um processo contra os distribuidores do jogo chinês Legends of the Three Kingdoms, que utilizava praticamente a mesma mecânica, mas com outras história e ambientação. [6]

 

É possível que brigas judiciais e disputas envolvendo jogos tornem-se cada vez mais comuns nos próximos anos. Primeiro porque os setores de desenvolvimento e distribuição de jogos têm mostrado um bom desempenho econômico. Além disso, a capacidade de inovação de mecânicas, temas, histórias e outro elementos tende a diminuir no tempo. Por outro lado, também é possível que os tribunais sejam mais tolerantes com essa realidade, em prol da convivência de projetos, iniciativas e empresas.

 

Se você está começando seu projeto, não fique desestimulado pelos desafios e eventuais dúvidas que surgirão durante o desenvolvimento.Nesse artigo você já deu um passo importante: se informar. Pesquise outros jogos, ouça experiências de veteranos, conheça as principais causas de problemas etc. Esse trabalho pode inclusive te ajudar a ser mais criativo e buscar soluções inovadoras para não cometer alguma ilegalidade.

 

Abraços e boas ideias!

 

[1] Cf. http://meiobit.com/292996/saban-brands-ameaca-processar-brasileiros-da-behold-studios/; http://br.ign.com/brasil/3489/feature/inspirado-em-power-rangers-chroma-squad-e-lancado-nesta-quin

[2] Cf. http://thegaminghistorian.com/universal-vs-nintendo-case/; https://en.wikipedia.org/wiki/Universal_City_Studios,_Inc._v._Nintendo_Co.,_Ltd.

[3] Cf. http://www.billboard.com/articles/news/1047251/the-romantics-sue-activision-over-guitar-hero

[4] Artigo 8º, da Lei de Direitos Autorais, e artigo 10, da Lei de Propriedade Industrial.

[5] Cf. http://www.patentarcade.com/2005/04/case-atari-v-north-american-phillips.html

[6] Cf. http://www.strebecklaw.com/court-rules-favor-cloned-tabletop-game-no-protection-us-copyright-law/

 

Photo by Maarten van den Heuvel. In: Unsplash.

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