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Decisões judiciais noticiadas na mídia: o que muda na minha vida?

É bem comum ligarmos a televisão, acessarmos a internet ou abrirmos um jornal e depararmos com uma notícia que trata de decisões judicias com tema de grande impacto social, econômico ou político. Essas decisões, vindas normalmente de um Tribunal Superior, acabam caindo como um “furo” da mídia a respeito de uma mudança no direito, ou de uma mudança na ordem de como as coisas eram interpretadas até o Tribunal dar esse “susto” – pelo bem ou pelo mal – noticiado.

 

Falamos aqui das mais variadas decisões que tratam desde a autorização para a realização de aborto durante os três primeiros meses de gravidez, até as que permitem a um banco a reaver o carro financiado, mesmo que tenham ficado apenas poucas parcelas para pagar. Faço referência a duas decisões reais que, pouco tempo atrás, ganharam as mídias, veja-as, respectivamente, aqui e aqui.

 

Qual o impacto na vida das pessoas?

 

Mas qual é o verdadeiro impacto dessas decisões na vida das pessoas comuns, do pequeno empresário ou dos que, eventualmente, sem fazer parte do processo em que foi dada a decisão, tomaram notícia dela pela mídia com um tom de “agora tudo mudou”?

 

Para discorrer sobre isso, temos que, primeiro, esclarecer uma pegadinha que deixei no primeiro parágrafo. Precisamos falar sobre o que significa dizer que essa decisão vem de um Tribunal Superior e o que é um “danado” de um Tribunal Superior.

 

Passamos aqui por um termo técnico chamado “competência”, que, no direito, significa, com o perdão da redução, o “quão `longe` pode ir um juiz ou um Tribunal quando ‘dá’ uma decisão”. Para iniciarmos a ideia de competência, precisamos falar dos notórios, e aqui a mídia tem um papel fundamental de construção da notoriedade, dois grandes Tribunais de sobreposição brasileiros, são eles: o Supremo Tribunal Federal, e o Superior Tribunal de Justiça, carinhosamente conhecidos como STF e STJ.

 

São, justamente, esses Tribunais, em uma explicação bem superficial, que têm competências específicas quando se trata de julgar casos que abrangem temas de interesse para uma grande parcela da sociedade, quando não, para a sociedade inteira. O primeiro julga temas que se referem à Constituição, o segundo, temas relativos às Leis Federais em geral.

 

Entretanto, e isso tem sido apontado como um grande problema relativo ao aumento exagerado da competência, eles também podem julgar individualmente recursos de casos específicos, resolvendo, apenas para os dois ou mais interessados (participantes efetivos do recurso), uma determinada questão jurídica.

 

Pois bem…

 

Quando um tribunal, como o STJ ou o STF, julga recursos sem a devida indicação de que a decisão ali vale para além dos diretamente envolvidos, a decisão desse tribunal vale, claro, para os diretamente envolvidos.

 

A afirmação acima parece meio besta e singela e, de fato, é! Claro que ninguém sequer poderia pensar em ser afetado por uma decisão em um processo que não fez parte, no qual não pode se pronunciar. Mas a coisa pode ser bem mais complexa em alguns casos que fogem da regra geral: o nome feio técnico para essa limitação – regra geral – é limite subjetivo da coisa julgada.

 

Sem se apegar a termos técnicos, o fato é que, quando uma decisão noticiada pela mídia, em tese, diz com nossa realidade ou com nosso cotidiano, é necessário identificar se essa decisão trata de casos dentro da regra geral (limitada a quem está participando do processo) ou das regras excepcionais, que podem ampliar os efeitos daquela decisão para todos.

 

A mídia deixa clara essa diferença?

 

Olha, sendo bem sincero e razoável, e abandonando um pouco o rancor de certos excessos que a mídia tem provocado, a resposta é (normalmente) sim. Mas como a questão de entender se os efeitos de uma decisão podem ser aplicados a todos é muito técnica, esse “sim” merece também um grão de sal. Isso, porque, é raro ver uma notícia que traz a expressão “a decisão apenas se aplica ao recurso onde foi proferida, mas serve como indicativo de entendimento para todos os tribunais do país”.

 

Para entender um pouco esse ponto é necessário imaginar como um juiz que fica no alto da montanha do sistema, olhando tudo que acontece ao seu redor, lida com essa situação. E é, justamente, essa aposição dos dois tribunais que citei acima – mais do STF e um pouco menos, bem pouco, do STJ.

 

Tribunais que, no topo da montanha, olham ao redor e veem uma infinidade de conflitos que atingem toda a sociedade, sendo que alguns desses conflitos chegam às suas mesas individualmente, com o único objetivo de permitir que uma determinada empresa deixe de recolher um imposto, que uma determinada pessoa ou empresa seja indenizada, ou que uma determinada pessoa seja autorizada a realizar um aborto.

 

Ao bater na porta desses tribunais uma enxurrada de casos similares, é óbvio que seria necessário desenvolver métodos que suspendessem e distribuíssem a mesma decisão para todos, ou que os efeitos dessa decisão pudessem ser replicados ao demais processos que ficaram parados até o STJ e o STF decidirem. Claro que poderíamos falar aqui de “tese da transcendentalidade dos fundamentos determinantes da decisão” ou de efeitos erga omnes das decisões em controle concentrado de constitucionalidade, mas eu prefiro simplesmente dizer que há formas de uma decisão tomada em caso, desde que afetado, atinja a todos os demais participantes de casos similares, já ajuizados ou que serão ajuizados no futuro.

E ai?

 

Para saber se essas decisões podem influenciar sua vida pessoal ou profissional, eu encerro esse texto com duas dicas de ouro:

 

A primeira é, pasme, leia a matéria jornalística inteira. Essa primeira dica é um toque para evitarmos a superficialidade. Não podemos demonizar a mídia como se ela fosse a origem de todo o mal da terra. Claro, ela tem os seus problemas, como tudo, mas não é por culpa da mídia que entendimentos superficiais se difundem. Essa compreensão rasa das coisas se origina mais da nossa falta de compreensão razoável do que da fonte da informação.

 

A segunda dica é: na dúvida, consulte um advogado. Como na medicina, no direito, o problema da automedicação (ou, até pior, do auto desengano) atinge todas as classes sociais sem distinção. Esse problema faz com que, por um lado, pessoas que tenham direitos reconhecidos pelo judiciário deixem de exercer tal direito. E, por outro lado, com que pessoas que não estejam sujeitas à determinada situação divulgada na mídia se enquadrem equivocadamente, assim, afastando a possibilidade de exercer seus direitos por uma exclusão artificial e enganosa.

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