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Uso de redes sociais e programas de computador em obras audiovisuais

Em obras audiovisuais é comum a representação de redes sociais e programas de computador como artifício narrativo ou elemento secundário. Caso a produtora opte por utilizar softwares reais, esta deve se atentar, principalmente, a duas questões: o direito autoral do programa e o direito de propriedade industrial com relação à marca.

A legislação brasileira protege os softwares por meio do seu código-fonte dentro do campo dos direitos autorais, conforme artigos 2º da Lei n.º 9.609/98 e artigo 7º, inciso XII[1], da Lei 9.610/98 (a Lei de Direitos Autorais – LDA). Assim, o uso de programas também depende da autorização do respectivo titular.

Normalmente, o que ocorre na prática das produções audiovisuais é o uso do funcionamento do programa em si, por exemplo, a tela do WhatsApp, a tela da câmera do celular, o feed do Instagram e assim por diante. Tais elementos também contariam, em tese, com a proteção dada em elementos de design, imagens/ilustrações e de trade dress.

Isso significa que não há uma reprodução/exposição do código-fonte em si. Ademais, na perspectiva do design e demais elementos figurativos, pode-se dizer, em regra, que o uso será acessório e incidental, o que é autorizado pelo artigo 46, inciso VIII, da LDA.

Como mencionado anteriormente, é possível que a marca do software também apareça. A Lei de Propriedade Industrial determina que o titular não poderá impedir a citação de sua marca, desde que não haja conotação comercial ou prejuízo para seu caráter distintivo (art. 132, IV). Não há exatamente uma limitação de quantidade de citações, mas a recomendação é sempre que o foco da obra audiovisual não seja o software ou a rede social em si, de forma a evitar a indução pelo público de que há uma associação comercial entre a marca e a obra.

Algumas redes sociais já trazem regras específicas para uso de suas marcas em obra audiovisuais, e podem ou não exigir autorização[2], mas essa exigência não possui força de lei, ou seja, tais empresas não poderão impor sua vontade quando a própria legislação possibilita o uso sem a necessidade de autorização. De todo modo, sempre se recomenda a análise de tais Termos pois o atendimento às recomendações de cada marca é mais um redutor do risco (além da própria legislação).

A partir do exposto acima, é possível classificar o risco jurídico e aplicar a matriz indicada abaixo para ponderar o uso e a forma de uso de programas de computador e redes sociais em obras audiovisuais:

  • Citação da marca do programa de computador ou da rede social pelos personagens (caso de menção no diálogo)

Os riscos costumam ser baixos, desde que a citação (i) não tenha conteúdo pejorativo à marca e (ii) não insinue conotação comercial – ou seja, não pode ter um destaque elevado que permite inferir que há uma associação comercial entre a marca e a obra.

Importante ressaltar que a citação muito repetida da marca pode aumentar o risco, visto que pode possibilitar o entendimento de que há uma conotação comercial na citação.

  • Uso do programa de computador ou da rede social em cena

Em geral, para o uso de programa de computador ou da rede social quando tratamos de seu funcionamento sem incluir código-fonte, pode-se levar em conta a seguinte matriz de risco:

1. Risco Alto: Inserções do software/marca em primeiro plano (produzido ou não em pós-produção) e com alto grau de interação dos personagens; situação de crítica ou possível dano reputacional; e funcionamento do software com utilidades diversas do aplicativo real;

2. Risco Médio: sobreposição na cena com algum foco e destaque, demonstrando elementos marcários e funcionamento do software de forma fidedigna;

3. Risco Baixo: (i) sobreposição na cena produzida em pós-produção, sem elementos marcários e demonstrando o funcionamento do software de forma fidedigna; (iii) filmagem do celular ou computador utilizando o programa sem grau de destaque.

Caso a produtora venha a utilizar excessivamente o software, de modo que este passe a configurar como fundamental para a produção e narrativa da obra, ou ainda, caso prefira reduzir ao máximo o risco de quaisquer questionamentos, é recomendável a criação de arte em pós-produção inteiramente original e fictícia pela produção, que não utilize nenhum elemento marcário e/ou software de propriedade de terceiros.

Evidentemente, é importante que a equipe esteja sempre em contato com a assessoria jurídica para garantir que não estão sendo reproduzidos direitos de terceiros e que a nova criação é original e se distancia suficientemente do programa que se pretende imitar/parodiar.

Importante ressaltar também que tais usos se referem aos riscos quanto aos softwares, mas não quanto a perfis de usuários e ao conteúdo presente nestas plataformas digitais – como postagens, textos, desenhos, entre outros.

Com relação aos perfis e contas, é possível identificar duas possibilidades de uso pela produtora:

  • A criação de perfis e contas fictícias de personagens nos softwares reais, tomando os devidos cuidados para que não tenham relação com perfis e contas já existentes. Nesse caso, é importante já definir o profissional responsável pelo controle sobre os perfis e contas, e o que acontecerá com eles após as filmagens; e
  • O uso de perfis e contas de pessoas reais. Nesse caso, temos duas situações: (i) a recriação do software na pós-produção, com destaque aos perfis/contas e respectivo conteúdo, que deverá liberado previamente; e (ii) a filmagem do software real em uso, devendo a produtora se atentar para não dar destaque ao perfil/contas e imagens de nenhuma pessoa real.

Quanto ao conteúdo, a depender do caso, pode ser protegido pelo direito autoral ou não. Um texto criado em um documento Word ou mesmo em uma publicação em rede social tem mais possibilidade de ser passível de proteção autoral. Já comentários simples e curtos – como “Legal”, “Adorei”, “Odiei”, entre outros – não contém direitos autorais, pois não há a natureza de um conteúdo criativo.

Outro item que pode vir a ser utilizado nesses conteúdos são os emojis, que também possuem proteção autoral quanto ao desenho desenvolvido, mas não exatamente ao seu código. Por exemplo, apenas o código “:)” não é protegido por direito autoral, mas o desenho gerado a partir desse código pertence à empresa que o criou.

Em ambos os casos – tanto quanto o conteúdo criado por terceiros dentro dos softwares e redes sociais, quanto o uso de emojis – devem ser analisados de forma isolada, levando em consideração que os riscos acabam sendo mais baixos quando:

  • O uso do conteúdo é um uso secundário para a obra audiovisual;
  • Não há intuito comercial – na maioria das vezes, não é o caso, pois essa finalidade comercial acaba sendo mais relacionada ao uso em propagandas;
  • Não haja prejuízo ou conotação pejorativa às pessoas que publicaram o conteúdo e aos titulares dos emojis.

[1] Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: XII – os programas de computador;

[2] Veja o exemplo das redes sociais da Meta: https://about.meta.com/brand/resources/

Foto de Rami Al-zayat na Unsplash

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