A Lei Rouanet é um dos principais mecanismos de fomento à cultura no Brasil, permitindo que empresas e pessoas físicas contribuintes do Imposto de Renda apoiem financeiramente projetos culturais em troca de abatimentos fiscais – isto é, um desconto no IR que deverá pagar.
Dentro desse sistema, os Artigos 18 e 26 da Lei regulam diferentes modalidades de incentivo, estabelecendo regras distintas para o abatimento concedido ao incentivador. Ao apoiar um projeto enquadrado no Art. 18, o contribuinte poderá deduzir do IR devido todo o valor que aportou. Já ao financiar um projeto do Art. 26, o incentivador poderá abater do imposto devido apenas uma parte do valor aportado.
Conhecer essas diferenças é essencial para produtores culturais que buscam garantir a viabilidade de seus projetos, bem como para patrocinadores que querem garantir a eficiência de seus investimentos:
Incentivador | Limite do aporte | Abatimento fiscal | |||
---|---|---|---|---|---|
Art. 18 | Art. 26 | ||||
Pessoa jurídica | 4% do IR devido | Doação | 100% | Doação | 40% |
Patrocínio | Patrocínio | 30% | |||
Pessoafísica | 6% do IR devido | Doação | 100% | Doação | 80% |
Patrocínio | Patrocínio | 60% |
As propostas culturais que se enquadram no Art. 18 são aquelas voltadas para a promoção e preservação de manifestações culturais consideradas essenciais para o desenvolvimento artístico e social do país, dentro das seguintes categorias taxativas:
- Artes cênicas;
- Livros de valor artístico, literário ou humanístico;
- Música erudita, instrumental ou regional;
- Exposições de artes visuais;
- Doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos para a manutenção desses acervos;
- Produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual;
- Preservação do patrimônio cultural material e imaterial;
- Construção e manutenção de salas de cinema e teatro, que poderão funcionar também como centros culturais comunitários, em Municípios com menos de cem mil habitantes; e
- Produção ou coprodução de jogos eletrônicos brasileiros independentes, bem como formação de profissionais do setor – essa hipótese, inclusive, foi inserida na legislação recentemente, em 2024.
Esta é uma lista “fechada”, o que significa que qualquer proposta que não se encaixe em uma das categorias acima será automaticamente enquadrada no Art. 26.
Com o lançamento da plataforma Salic Comparar, tornou-se mais fácil identificar quais produtos culturais o Ministério da Cultura classifica como enquadrados no Art. 18. Na tela principal, basta acessar a opção “Domínio” e, em seguida, “Área / Segmento / Enquadramento”, selecionando a área desejada, como, por exemplo, “Artes Visuais”:
Ao analisar propostas que contemplem, simultaneamente, ações previstas nos Artigos 18 e 26, a comissão responsável pelo enquadramento no Ministério da Cultura definirá o dispositivo aplicável com base no produto principal preponderante, ou seja, aquele que representa o maior orçamento dentro do projeto.
A Instrução Normativa mais recente explicitou que o produto “mais caro” será tido como principal (Art. 20), o que, na prática, já era de conhecimento dos proponentes, mas ainda não estava suficientemente claro no texto legal. Além disso, as regras vigentes prevêem que:
- Em projetos cujo produto principal seja um “festival” ou “plano anual”, o segundo produto mais caro será utilizado como critério de enquadramento; e
- O enquadramento não é mais sugerido pelo proponente, sendo determinado automaticamente no momento do cadastramento da proposta no Salic.
Vejamos um exemplo prático: um projeto que combine a produção de um livro de valor artístico (enquadrável no Art. 18, alínea “b”) e o desenvolvimento de uma plataforma digital (não listada no Art. 18 e, portanto, sujeita ao Art. 26) só será classificado no Artigo 18 se a maior parte do orçamento proposto for destinada à produção do livro (custos de edição, impressão, distribuição etc.), e a plataforma digital for tratada como ação secundária. Caso contrário – se a plataforma absorver a maior parcela de recursos ou for o foco da proposta –, o projeto será enquadrado no Artigo 26, com o abatimento fiscal parcial correspondente.
O objetivo dessa regra é evitar distorções na aplicação dos incentivos, garantindo que o enquadramento e, consequentemente, o abatimento fiscal concedido, reflita a real natureza e prioridade do projeto.
Em caso de discordância quanto ao enquadramento, cabe ao proponente apresentar recurso fundamentado, dentro do prazo de 10 dias (Art. 50, § 3º), demonstrando ao MinC que as ações elegíveis ao Art. 18 são preponderantes na proposta. Para tanto, recomenda-se a elaboração de planilha orçamentária discriminada, contendo: (i) listagem completa de todas as rubricas diretamente vinculadas ao produto que faz jus ao Art. 18; (ii) respectivas justificativas técnicas; e (iii) somatório comprobatório de que tais custos representam mais de 50% do orçamento total. A experiência demonstra que recursos acompanhados de demonstrações financeiras exaustivas obtêm maior êxito junto à comissão avaliadora.
Foto de Markus Winkler na Unsplash