Este é o 2º artigo da série Direito e Museus. Para acessar os demais artigos, acesse: http://institutodea.com/artigo/author/mei-jou-e-olivia-bonan/. |
Os museus são instituições com papel fundamental na nossa sociedade, na medida em que são responsáveis por conservar e preservar o patrimônio cultural do país, bem como por promover exposições e iniciativas artísticas que visem a educar ou a difundir conhecimento entre as pessoas – promovendo a cidadania e a universalidade de acesso à cultura. Para tanto, as instituições museológicas contam com uma vasta equipe, da qual fazem parte profissionais de diversas áreas, entre eles os (as) museólogo (as).
Para Pedro Nery, historiador e museólogo do Museu de Arte Moderna de São Paulo,[1] uma das formas de compreender a profissão é observar as características daquela do (a) bibliotecário (a). Este (a) é responsável, entre outras tarefas, por catalogar o acervo de livros de uma biblioteca, mantendo-os acessíveis, e preservá-los, a fim de que durem por inúmeras gerações; por receber e orientar o público interessado e por definir uma política de entrada e descarte de livros.
Museus mais antigos surgiram dentro de bibliotecas e, de forma semelhante a estas, são instituições que guardam objetos (históricos, arqueológicos, de arte etc.) para fins de preservação do conhecimento, da história e da cultura. Desse modo, profissionais da museologia como Pedro estarão atentos, tal como as pessoas que cuidam de bibliotecas, à sistematização e preservação dos itens pertencentes ao museu, contribuindo para a elaboração de políticas de acervo e trabalhando em contato direto com demais profissionais técnicos, tais como documentalistas, pesquisadores, conservadores e curadores.
A profissão ligada à museologia ganhou normativa específica em 1984 com a Lei nº 7.287 (regulamentada pelo Decreto nº 91.775/1985), sendo privativa àqueles com bacharelado ou licenciatura em museologia, mestrado ou doutorado em museologia e a quem deter diploma estrangeiro em museologia devidamente revalidado no Brasil (art. 2º). E, conforme essa lei, o exercício de funções de museologia em órgãos públicos e em empresas é reservado aos (às) museólogos (as) (art. 4º).
Entre as várias atribuições desse tipo de profissional estão o ensino e a promoção de pesquisas sobre a museologia; o planejamento, a organização e a supervisão do funcionamento de museus, de suas exposições e ações educativas; a coleta, guarda, conservação e divulgação do acervo museológico; a identificação e classificação de bens culturais, bem como a solicitação de seu tombamento; a realização de perícias sobre valor e autenticidade de tais bens; entre outras funções inerentes à profissão (art. 3º).
Quanto à rotina de trabalho, Pedro conta que a atuação se dá em diversas frentes de um museu: alguns museólogos trabalharão diretamente com a curadoria de exposições, outros com a catalogação, ou, ainda, com processos e políticas de gestão da instituição. Segundo ele, o museólogo deve ser entendido como um clínico geral, que poderá sempre encaminhar seu paciente para um especialista no caso em questão.
Além de especificar as atribuições do (a) museólogo (a), a lei prevê a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Museologia (art. 6º) – órgãos de registro profissional e de fiscalização do exercício da profissão –, trazendo diversas disposições para regulamentá-los. É através do órgão federal e dos órgãos regionais que são emitidas diretrizes para o exercício da profissão de museólogo, que estão consolidadas no Código de Ética e demais normativos (regimento interno, resoluções, portarias, instruções etc.) do COFEM.
Tal Código, aplicável a pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividades profissionais de museologia, estabelece o modo como os (as) museólogos (as) devem pautar sua atuação. Entre outros assuntos, indica a necessidade de observância às normas aceitas internacionalmente (como aquelas do International Council of Museums), estabelece deveres e proibições da profissão, bem como responsabilidades perante colegas de profissão, o patrimônio cultural e ambiental e o público, além de elencar infrações disciplinares aplicáveis.
Entre os vários deveres, pode-se citar a necessidade de se “aplicar todo zelo, diligência e conhecimento” no exercício da profissão – visando o aprimoramento da preservação e divulgação do patrimônio, bem como o dever de “cooperar para o progresso da profissão” através de contribuições intelectuais e materiais e mediante o apoio às associações de classe, escolas e órgãos de divulgação (art. 4º). Já quanto às proibições, destacamos que o (a) museólogo (a) não pode se valer de sua influência política em benefício próprio ou desenvolver atividades que “comprometam a preservação do patrimônio, a salvaguarda das coleções e a comunicação da herança patrimonial” (art. 5º).
Enquanto o COFEM tem função predominantemente gerencial e regulamentar, por exemplo, aprovando regimentos internos, expedindo resoluções e realizando congressos (art. 7º), os Conselhos Regionais atuam mais próximos aos profissionais, ao passo que efetuam os registros de museólogos (as), julgam reclamações e representações, bem como fiscalizam o exercício da profissão (art. 8º).
A Lei nº 7.287 também dispõe, nos arts. 9º a 12, como se dá a composição de membros destes Conselhos e quais são os recursos disponíveis para sua manutenção – em geral, anuidades pagas pelos profissionais e instituições registradas, doações, subvenções públicas e valores advindos das multas aplicadas.
Para exercerem suas funções, os profissionais devem se registrar no Conselho Regional relativo ao local da prestação de seus serviços, obtendo a carteira profissional (art. 14). Da mesma forma, deverão se registrar “as empresas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qual forma, atividades técnicas de museologia” (art. 15 da Lei e art. 20 do Decreto).
A rigor, não há previsão expressa na legislação no sentido de que museus que não explorem comercialmente atividades de museologia seriam obrigados a se registrar. Contudo, há no site do COFEM uma lista de instituições museológicas registradas, o que pode indicar eventual necessidade de registro – para museus públicos e privados, há isenção de anuidade, conforme a Resolução COFEM nº 51/2020 (art. 9º) – e cujo descumprimento poderia ser passível de penalidades, tais como advertência, repreensão e multa (para mais informações, veja a Resolução COFEM nº 19/2018).
Vale dizer que o cadastro, cujo procedimento está descrito na página do COFEM (e também dos Conselhos Regionais – veja o exemplo do COREM 4R, que abrange o Estado de São Paulo) pressupõe o pagamento de anuidade, estabelecidas em Resoluções anuais (veja as de 2020 e 2021). Ainda, caso o exercício da profissão ou atividade empresarial passe a ocorrer em outra região, deve-se solicitar a transferência de inscrição.
Além disso, considerando a atribuição do COFEM de regular as atividades de museologia, destacamos a existência da Certificação de Responsabilidade Técnica (CRT) – prevista na Resolução COFEM nº 02/2016. Tal documento serve para comprovar que um projeto ou serviço técnico de museologia possui um responsável devidamente habilitado, definindo responsabilidades e garantindo maior segurança à contratação.
A CRT deve ser emitida pelo (a) museólogo (a), perante o COREM no qual está registrado (a) e mediante o pagamento de taxa (por volta de R$ 100), para contratações por tempo determinado – por exemplo, caso vá elaborar o plano museológico de uma instituição durante o período de 6 meses. Não há necessidade de solicitar a CRT quando a contratação é por tempo indeterminado, com carteira assinada e contrato de trabalho regido pela CLT.
Perguntado sobre como se dá, na prática, a relação do profissional com o COREM, Pedro confirma que a emissão da CRT é um instrumento de garantia. Isso porque as atividades de museologia são compostas por trabalhos de grande relevância e responsabilidade, como a avaliação de artefatos, o estabelecimento de processos de guarda, inventário e preservação, a elaboração de plano museológico, entre outros. Diante disso, a CRT representa uma comprovação de que um projeto ou serviço está sendo executado por profissional capacitado e com situação regular perante o órgão de fiscalização.
Hoje em dia os museus estão ganhando uma cara nova: alguns não existem em local físico, outros só possuem acervos com bens imateriais ou, ainda, têm como área de atuação a paisagem e o território. Mesmo com essas mudanças – Pedro aponta – a ação pública das instituições museológicas continua sendo a promoção do encontro entre pessoas e artefatos – uma ação, uma comida, uma paisagem e tantos outros.
Tais ações visam estimular tanto a preservação quanto o acesso ao patrimônio cultural e, segundo ele, a profissão da museologia é aquela chamada a colaborar para a instrumentalização e expansão desse legado: da mesma forma que bibliotecários (as) desejam que sua biblioteca tenha cada dia mais leitores, os (as) museólogos (as) trabalham para que os museus sejam visitados por um número cada vez maior de pessoas.
[1] Pedro Nery é historiador e museólogo. Mestre em Museologia pela USP, foi curador das mostras “Costura da Memória”, de Rosana Paulino, na Pinacoteca de São e no Museu de Arte do Rio de Janeiro, e “Estranhamente Comum”, de Marepe, na Estação Pinacoteca em São Paulo. Atualmente é museólogo do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Agradecemos às suas contribuições a este artigo.
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